quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Reação a um ponto de vista.

Por Carlos Brickmann. Para o Observatório da Imprensa.



O importante é ser dondoca

Há muitos e muitos anos, nos tempos da TV a lenha, um diretor de jornal aconselhava seus subordinados a não contratar mulheres para a Redação. “Por mais feia que seja, a gente acostuma e acaba namorando. Dá galho”. Na verdade, não era exatamente “namorando” a palavra que ele usava.


Mas mulher em Redação, fora do Suplemento Feminino, era raríssima. Faz muitos e muitos anos, mas hoje, nos tempos da Internet, o preconceito continua de pé. Este colunista, que em sua longuíssima carreira colecionou desafetos, nunca foi chamado de feio (o que seria a mais pura verdade), nem sofreu críticas à sua elegância no vestir (o que seria também absolutamente correto).


Mas vá uma mulher contrariar a opinião de alguém: é feia. É prostituta. É sapatão. É mal-amada.


Um caso recente exemplifica o clima reinante em nosso avançado e liberal entorno jornalístico. A jornalista Marli Gonçalves, 32 anos de carreira, citada no Google em sete páginas, militante feminista e da luta contra os preconceitos, ousou criticar a candidata Marta Suplicy, do PT, pelo anúncio em que perguntava se o prefeito paulistano Gilberto Kassab, seu adversário, era casado e tinha filhos.


Mandou o e-mail com suas criticas, assinado, com telefone e endereço eletrônico, a uns 30 amigos. Na Internet, o e-mail se multiplicou e gerou mais de mil respostas. A maior parte foi favorável; algumas, bem poucas, desfavoráveis. Sem problemas: a polêmica é boa, areja as idéias e faz parte da profissão.


Houve pessoas que, discordando, mantendo suas posições, acabaram forjando laços de amizade com Marli. Só que uma parte das desfavoráveis continha linguagem e comentários que deixavam claro que lugar de mulher, quando fora da cozinha, é na cama ou no tanque, ou talvez varrendo o chão.


Pensando e escrevendo, jamais.Trecho de mensagem enviada por uma mulher, que se disse professora: “Talvez lhe falte um marido, ou quem sabe um amante, ou até quem sabe uma namoradinha? Ah! Talvez não, mas um bom tanque de roupa pra lavar, isso com certeza lhe acalmaria os ânimos...”


Outro trecho, de um jornalista: “Posso afirmar com convicção que a tal de ‘Marli Gonçalves’ – nome de guerra de piranha – não existe. Só idiotas podem imaginar que o e-mail é verdadeiro”.


Já pensou se este colunista que vos escreve, deixando emergir seus instintos mais primitivos, pergunta se a jornalista criticada por acaso seria xará da mãe do malcriado?


Do mesmo jornalista: “Marlizão”. Se é mulher e solteira, só pode ser gay, não é mesmo? Já os homens podem ser solteiros, e são chamados de “bons partidos”.


De uma mulher: “rugas, pobre, e gorda, cheia de celulite, uma bagaceira horrorosa, parece uma bruxa”. “Se a jornalista com todo o jeitão de baranga (...)” “é uma mulher horrorosa, de cabelo branco, barriguda, bunda e peito caídos (...)”


Uma dúvida: por que as mulheres, quando expressam sua opinião, são criticadas pela aparência física? Por que a mulher, quando discorda de alguém, é logo chamada de prostituta? Deve ter havido este tipo de questionamento sórdido em Fortaleza, contra Luizianne Lins e Patrícia Saboya, ou em Natal, contra Micarla de Souza e Fátima Bezerra, ou em Porto Alegre, contra Maria do Rosário e Manuela d’Ávila. Só contra as duas, claro: seu adversário José Fogaça é homem, está livre desses ataques.


*Artigos de Marli Gonçalves:

Solteira, sem filhos. E daí?

Meu grito ecoou pelo país.