Escrito por Vitor Hugo Soares - para o BlogdoNoblat
A cabocla Marina e a búlgara Dilma
Há um campo de batalha ativo no governo Lula. Assemelha-se ao criado por Graham Greene em um de seus romances mais brilhantes, "para desvendar as grandezas e as misérias da condição humana".
O desembarque da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, seguido de repercussão elevada a decibéis incômodos para a política ambiental do País - e ouvidos viciados em boas notícias -, escancara um conflito oculto por manobras e panos quentes desde o início do caso dos cartões corporativos.
Pontuam neste cabo-de-guerra duas figuras simbólicas e cruciais nas estratégias do poder. Do lado mais frágil, Marina Silva, cabocla acreana dos seringais amazônicos, cuja corda desgastada partiu-se esta semana.
Na outra banda, a superministra da Casa Civil, a mineiro-gaúcha em cujas veias circula esquentadas doses de sangue búlgaro herdado do pai. Dilma Rousseff segue aparentemente inabalável, apesar dos rugidos do tiroteio cada dia mais próximo do seu gabinete.
Em torno das posições divergentes destas duas marcantes figuras da matriarcal administração, gravitam estrelas de primeira e segunda grandeza do PT, além de satélites integrantes de partidos aderentes. Alguns deles raposas mestras que só querem saber "do que pode dar certo" (saudades do genial tropicalista piauiense Torquato Neto!).
Juntos ou divididos executam operações pesadas para ditar rumos no segundo mandato de Lula, de olhos e instintos ligados na sucessão em 2010, precocemente iniciada pelo próprio presidente nos palanques municipais do PAC.
Semana passada, o reboliço passou pela Bahia. O furdunço instalado desde então, incendiou e segue causando baixas e intrigas nas hostes do governador Jaques Wagner (PT) e do ministro Geddel Vieira Lima (PMDB).
No campo de batalha brasileiro de 2008, o governo Lula acaba de perder talvez o último emblema original - além do próprio presidente - das propostas, programas e do jeito de ser e agir dos donos do poder que aportaram em Brasília conduzidos pela onda popular incontrolável na eleição de 2002. Marina, na pasta do Meio Ambiente desde o primeiro dia do primeiro mandato de Lula, se despediu com uma carta cheia de reprovações que seguramente desconcertaram o lado caboclo do pernambucano, ex-dirigente operário em São Paulo, instalado no comando da República.
Sem falar na entrevista coletiva, repleta de simbologias e interrogações da ex-ministra, em Brasília, seguida dos negaceios e dubiedades verbais, em Paris, do carioca Carlos Minc - petista confirmado como sucessor de Marina.
Pelo que anda falando na França, Minc deve aportar no ministério das complicadas e explosivas questões ambientais, com o espírito e o discurso de quem vem "para confundir e não para explicar", como no tempo do velho guerreiro Abelardo Barbosa, o Chacrinha.
A queda de Marina "é um sinal de alerta", anotou a chanceler da Alemanha, Ângela Merkel, ao expressar um sentimento mundial sobre o episódio e seus prováveis desdobramentos.
Evidência de que não caiu no esquecimento total, o discurso feito por Lula, em dezembro de 2002, ao anunciar a ardente ecologista - herdeira dos ideais e da ação do líder seringueiro Chico Mendes em relação ao desenvolvimento sustentável e harmônico com a preservação ecológica - como sua primeira escolha pessoal na formação do ministério que então se instalava: "O primeiro sinal que transmito ao mundo de que a Amazônia agora será tratada de forma diferente", prometia.
Com Marina agora fora do jogo, "quem ganha é sua rival no governo, a superministra Dilma Rousseff, mão direita de Lula e encarregada de pôr em marcha o plano de crescimento econômico acelerado que choca de frente com a proteção do meio ambiente", como pontuou o influente diário espanhol "El País".
A observação é polêmica, mas nem de longe parece fora de propósito, diante dos sinais destes dias. Vale prestar mais atenção no que vem por aí.
No romance "É um Campo de Batalha", lançado no Brasil em 1964, quando se instalava o regime militar com a deposição do presidente João Goulart, o escritor católico inglês, Graham Greene, desvenda contradições que não são próprias apenas da Inglaterra, território geográfico onde a trama se dá. Página a página, Greene mostra que o conflito do nosso tempo é moral, político e econômico. Além de universal.
Vitor Hugo Soares é jornalista. E-mail:vitors.h@ig.com.br
A cabocla Marina e a búlgara Dilma
Há um campo de batalha ativo no governo Lula. Assemelha-se ao criado por Graham Greene em um de seus romances mais brilhantes, "para desvendar as grandezas e as misérias da condição humana".
O desembarque da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, seguido de repercussão elevada a decibéis incômodos para a política ambiental do País - e ouvidos viciados em boas notícias -, escancara um conflito oculto por manobras e panos quentes desde o início do caso dos cartões corporativos.
Pontuam neste cabo-de-guerra duas figuras simbólicas e cruciais nas estratégias do poder. Do lado mais frágil, Marina Silva, cabocla acreana dos seringais amazônicos, cuja corda desgastada partiu-se esta semana.
Na outra banda, a superministra da Casa Civil, a mineiro-gaúcha em cujas veias circula esquentadas doses de sangue búlgaro herdado do pai. Dilma Rousseff segue aparentemente inabalável, apesar dos rugidos do tiroteio cada dia mais próximo do seu gabinete.
Em torno das posições divergentes destas duas marcantes figuras da matriarcal administração, gravitam estrelas de primeira e segunda grandeza do PT, além de satélites integrantes de partidos aderentes. Alguns deles raposas mestras que só querem saber "do que pode dar certo" (saudades do genial tropicalista piauiense Torquato Neto!).
Juntos ou divididos executam operações pesadas para ditar rumos no segundo mandato de Lula, de olhos e instintos ligados na sucessão em 2010, precocemente iniciada pelo próprio presidente nos palanques municipais do PAC.
Semana passada, o reboliço passou pela Bahia. O furdunço instalado desde então, incendiou e segue causando baixas e intrigas nas hostes do governador Jaques Wagner (PT) e do ministro Geddel Vieira Lima (PMDB).
No campo de batalha brasileiro de 2008, o governo Lula acaba de perder talvez o último emblema original - além do próprio presidente - das propostas, programas e do jeito de ser e agir dos donos do poder que aportaram em Brasília conduzidos pela onda popular incontrolável na eleição de 2002. Marina, na pasta do Meio Ambiente desde o primeiro dia do primeiro mandato de Lula, se despediu com uma carta cheia de reprovações que seguramente desconcertaram o lado caboclo do pernambucano, ex-dirigente operário em São Paulo, instalado no comando da República.
Sem falar na entrevista coletiva, repleta de simbologias e interrogações da ex-ministra, em Brasília, seguida dos negaceios e dubiedades verbais, em Paris, do carioca Carlos Minc - petista confirmado como sucessor de Marina.
Pelo que anda falando na França, Minc deve aportar no ministério das complicadas e explosivas questões ambientais, com o espírito e o discurso de quem vem "para confundir e não para explicar", como no tempo do velho guerreiro Abelardo Barbosa, o Chacrinha.
A queda de Marina "é um sinal de alerta", anotou a chanceler da Alemanha, Ângela Merkel, ao expressar um sentimento mundial sobre o episódio e seus prováveis desdobramentos.
Evidência de que não caiu no esquecimento total, o discurso feito por Lula, em dezembro de 2002, ao anunciar a ardente ecologista - herdeira dos ideais e da ação do líder seringueiro Chico Mendes em relação ao desenvolvimento sustentável e harmônico com a preservação ecológica - como sua primeira escolha pessoal na formação do ministério que então se instalava: "O primeiro sinal que transmito ao mundo de que a Amazônia agora será tratada de forma diferente", prometia.
Com Marina agora fora do jogo, "quem ganha é sua rival no governo, a superministra Dilma Rousseff, mão direita de Lula e encarregada de pôr em marcha o plano de crescimento econômico acelerado que choca de frente com a proteção do meio ambiente", como pontuou o influente diário espanhol "El País".
A observação é polêmica, mas nem de longe parece fora de propósito, diante dos sinais destes dias. Vale prestar mais atenção no que vem por aí.
No romance "É um Campo de Batalha", lançado no Brasil em 1964, quando se instalava o regime militar com a deposição do presidente João Goulart, o escritor católico inglês, Graham Greene, desvenda contradições que não são próprias apenas da Inglaterra, território geográfico onde a trama se dá. Página a página, Greene mostra que o conflito do nosso tempo é moral, político e econômico. Além de universal.
Vitor Hugo Soares é jornalista. E-mail:vitors.h@ig.com.br