segunda-feira, 11 de junho de 2012

O mutismo, décadas atrás

Por André Carvalho (*)
btreina@yahoo.com.br
Em 31 de maio de 2012.



O MUTISMO, DÉCADAS ATRÁS
O mutismo de um senhor, conhecido no meio policial por Carlinhos Cachoeira, durante depoimento na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito que o investiga por crimes de diversos matizes é um direito assegurado aos cidadãos brasileiros. Sua resultante, todavia, parece um espetáculo circense, mais especificamente o instante em que o picadeiro se enche de palhaços. Tanto quanto no circo, penso que na comissão, os atores seguem um script entrelaçado aos demais partícipes do espetáculo. Não consigo identificar, ainda, cada um desses companheiros na comissão: do dono do circo aos palhaços, passando por ilusionistas e trapezistas.
 
O silêncio de Carlinhos Cachoeira me trouxe à lembrança uma história inusitada ocorrida em Brasília, na metade final da década de 1970. Humberto Carlos Sobral, um bom amigo, figura conhecida e querida, conselheiro e técnico de voleibol do Iate Clube; destemido nas bravatas, dócil na índole, honesto por convicção e agradável no convívio, teve seu apartamento roubado nas coisas valiosas que lá existiam: relógios, jóias de Dona Rosa, sua esposa, e uma máquina fotográfica de última geração e máxima qualidade.
 
Interessante é que não havia sinais de arrombamento nas portas e janelas. Feita a ocorrência policial Sobral deu por perdido aquele patrimônio, adquirido, diga-se de passagem, honestamente. Acontece que o registro de outros tantos roubos semelhantes despertou a atenção da polícia e, poucos meses depois, o ladrão foi preso. Era chaveiro por ofício, daí não arrombar nada e, para surpresa geral, mudo!
 
Como suas mímicas e sons não elucidavam os tantos roubos que praticou, nem o destino dos produtos roubados, a polícia resolveu fazer uma busca em sua casa, na cidade satélite de Sobradinho. Acompanhado por agentes e investigadores, lá se foi o ‘mudinho’, cada hora mais enrolado nos sons e gestos. Chegando ao destino, uma de suas filhinhas, aí na faixa dos cinco seis anos, perguntou surpresa: “papai, por que você não está falando?”.
 
Um soco bem localizado mudou o rumo da história e o larápio voltou a falar, fluentemente, dando parte do “serviço”. Acontece que no local, na residência do indivíduo, os investigadores encontraram uma pequeníssima quantidade de objetos, se comparado aos inúmeros registros de roubo. De volta à delegacia resolveram convocar os prejudicados para uma acareação e para a identificação das peças resgatadas. Quando percebeu que suas vítimas questionavam a falta de muitos objetos e muitas jóias, e que o clima começava a ficar tenso, o meliante pronunciou a seguinte pérola: “calma, calma, pessoal. Ninguém perdeu nada, está tudo na Caixa Econômica Federal”.
 
Verdade, meus amigos! Seu comparsa, um motorista de táxi, arrecadava o produto do roubo e o penhorava nas agências da Caixa. Um ato “lícito” e corriqueiro que “lavava” o produto do roubo.
 
Após minha saída de Brasília perdi o contato com Sobral e não sei dizer se o banco estatal foi intimado a devolver, aos verdadeiros proprietários, as jóias que guardava em seus cofres. O que sei é que a bela máquina fotográfica foi vendida, certamente por preço aviltante, a quem, jamais saberemos.
 
Não custa acreditar que, se o “mudinho” que roubou parte considerável do patrimônio do meu querido amigo Sobral tivesse por advogado um ex-ministro da justiça, além de não levar safanão algum, continuaria calado até os dias de hoje curtindo sua filhinha e os demais prazeres da vida, caso o produto do roubo não fosse utilizado “in totum” no pagamento de sua defesa.
 
Circensemente, o inverso é verdadeiro: se, na propalada CPMI, um agente do Estado pudesse desferir uns catiripapos em cada “mudinho” que por lá aparecesse, mesmo quando defendido pela bagatela de quinze milhões de reais por um ex-ministro da justiça, talvez a sociedade brasileira soubesse de um “Delta” a mais no curso da sua história.
Nossa justiça, via de regra, é cega, mesmo com os mudos!!
 
(*) André Carvalho não é jornalista, é "apenas" um cidadão que observa as coisas do dia-a-dia. Um free lancer. Ou segundo sua própria definição: um escrevinhador. Seus sempre saborosos textos circulam pela web via e-mails.