domingo, 13 de maio de 2012

Bafômetro no paletó e garvata

Por André Carvalho (*)
em 08 de maio de 2012
 
 

BAFÔMETRO NO PALETÓ E GRAVATA
Inacreditável como de onde menos se espera e menos se supõe surgem ideias magníficas. Aliás, o mundo funciona assim: do nada, da escuridão e das profundezas emergem grandes ideias, importantes invenções, formidáveis teorias, incomensuráveis avanços e estúpidas leis.

Ainda não sei em qual dos atributos devo qualificá-la: se no campo dos incomensuráveis avanços ou se no rol das estúpidas leis. O fato é que a proposta a que me refiro vem, certamente, das profundezas de um cérebro diferenciado, como é moda dizer. A propósito, esse tal do diferenciado – atendimento, automóvel, churrasco, imóvel, político, igreja e etc. – não significa melhor do que, mas, tão somente, diferente de. Tem gente, principalmente nas agências de propaganda e marketing, que ainda não entendeu o teorema. O diferenciado pode ser melhor ou pior do que seu referencial. Elevado ao quadrado então...

Mas, vamos ao que interessa! Em Santo Estevão, município a 150 km de Salvador, um vereador do PSC, mais conhecido pelo cognome “Abençoado”, apresentou projeto de lei propondo a implantação de bafômetros na Câmara Municipal da cidade, aplicáveis aos vereadores e demais servidores da casa.

Segundo Abençoado, a ideia surgiu por conta do suposto uso de bebida por seus pares e colaboradores. O vereador explicou assim o âmago da questão: o teste do bafômetro traria mais dignidade na hora de conduzir as leis em pauta”. E completou, se perguntando: “como podemos realizar a sessão com pessoas embriagadas? Como podemos decidir projetos sem estarmos lúcidos?.

O equipamento funcionaria concomitantemente ao cartão de ponto, sendo seu uso obrigatório, ao contrário do que ainda ocorre na lei de trânsito. Penso que a concomitância é muito difícil de ocorrer abrindo uma brecha na aplicação da lei: qual dos atos terá precedência? Soprar ou bater? Na dúvida, faz-se necessário regulamentar a lei definindo qual das seqüências será exigida: cartão de ponto/bafômetro ou, o inverso, bafômetro/cartão de ponto. Na primeira hipótese o salário está garantido! Mais alguma dúvida?

 Decorridos poucos dias da proposição de “Abençoado” um deputado federal do PDT baiano defendeu, publicamente, a tese de se transformar a lei seca em crime inafiançável e imputar, àqueles que forem pegos dirigindo após o consumo de bebidas alcoólicas, de 10 a 12 anos de reclusão, independente da prova do bafômetro.

O parlamentar não propõe encarcerar quem provoca acidentes e mortes ao volante, o que seria razoável. Ele quer cadeia para todos os motoristas com sintomas de embriaguez. Pergunto: qualquer dos sintomas? Até mau hálito? E quem faz a prova? A autoridade policial? A que distância do orifício bucal? Desconfio que, se a distância for pequena, vai faltar cadeia!

Implantada a estapafúrdia ideia de “cana” generalizada, estaríamos livres, por uns bons anos, dos técnicos de futebol Mano Meneses e Renato Gaúcho; do senador Aécio Neves e dos deputados Romário, Gladson Cameli, Índio da Costa e Pedro Augusto.

Livre também dos cantores Djavan, Elymar e Elba Ramalho; do juiz de direito Pedro Henrique Alves e da delegada de polícia Daniela Rebello. Isso, sem falar nos atores e atrizes Dado Dolabella, Bruno Gagliasso, Eri Johnson, Carolina Ferraz e Thais Fersoza. Se faltar cadeia para as duas últimas tenho um lugarzinho reservado aqui em casa!

O representante baiano, pelo visto, desconhece a atual tendência de se estabelecer penas alternativas, de cunho sócio educativo, para réus primários que tenham cometido crimes de natureza leve, reduzindo assim a população carcerária, desonerando o sistema e permitindo um maior controle sobre os verdadeiros criminosos e bandidos; “demóstenes” e assemelhados inclusos.

Voltando ao talentoso vereador do município de Santo Estevão, começo a acreditar que sua proposta se encaixa no rol dos incomensuráveis avanços. Posta em prática, a aferição do teor alcoólico para acesso aos milhares de plenários e dependências legislativas Brasil afora, reduziria, sobremaneira, os delírios que por lá acontecem e a ressaca reguladora que azeda o país.

Não deixa de ser algo diferenciado!!!

(*) André Carvalho não é jornalista, é "apenas" um cidadão que observa as coisas do dia-a-dia. Um free lancer. Ou segundo sua própria definição: um escrevinhador. Seus sempre saborosos textos circulam pela web via e-mails.