Publicado no jornal A Tarde de 04 de abril de 2012
A PERSONAGEM DO MOMENTO
Inquestionável e emocionante a “batalha” da ministra Eliana Calmon à frente da Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça. Desculpem se errei na intitulação da servidora, do cargo ou do órgão. São tantos os compartimentos, as nomenclaturas, os protocolos e os salamaleques que, no cidadão comum exaure-se a capacidade de discernir e, por conseguinte, bem referenciar.
A nobre Corregedora transformou-se, numa velocidade estonteante, em ícone da luta pela moralidade no serviço público, primordialmente no âmbito do poder judiciário e, por extensão, nos demais poderes republicanos tendo seu empenho repercutido, até mesmo, no cotidiano do cidadão brasileiro.
Um amigo, Eduardo Giudice, esteve há poucos dias num evento em que a ministra foi a grande homenageada. Entusiasmado, queria propor-lhe – e nisso teve meu apoio – sua candidatura à Presidência da República nas eleições de 2014. Eduardo advogava e ainda advoga que, independente do resultado, a candidatura traria para o centro da discussão político–eleitoral a questão da hombridade somada à competência. Creio que teríamos uma resposta mais ampla da sociedade do que aquela alcançada com a simples aprovação e aplicação, se houver, da lei da “ficha limpa”. A proposta de Eduardo não foi feita em virtude da dificuldade de se aproximar da ministra.
Candidaturas “propositivas” como as de Afif Domingues, Plínio de Arruda Sampaio, Heloisa Helena, Marina Silva e outras tantas que não me recordo agora, esbarram na incultura da maioria dos eleitores. Ademais, como Eliana Calmon é a antítese do político tal como os entendemos, elegemos e mantemos, jamais será eleita Presidente da República nem mesmo irá a um segundo turno.
Calmon – eta sobrenome Econômico – somente ascenderia ao Palácio do Planalto se carregada como “deusa” no andor do ex-presidente Lula, o que também jamais ocorrerá, assim espero, por absoluta incompatibilidade de princípios.
Por mais que esbanje simpatia fora do expediente a ministra age com dureza enquanto trabalha. Exemplo disso está numa de suas mais contundentes afirmações: “Luto pela magistratura séria, e que não pode ser confundida, nem misturada com meia dúzia de vagabundos infiltrados”. Mais do que o rol de atividades que desenvolve é a missão saneadora que torna a excelentíssima Dra. Eliana uma figura ímpar no atual cenário político-social do país.
Em tudo isso há, tão somente, um pequeno problema: Eliana Calmon é autora de um livro de receitas culinárias com trezentas e sessenta e sete páginas em sua nona edição. Até ai, tudo bem! Ocorre que o livro vem sendo comercializado, ao preço de trinta reais, em seu gabinete de trabalho nas dependências do Supremo Tribunal Federal.
Em sendo verdadeiro o que foi publicado na coluna de Sonia Racy e Débora Bergamasco, em 05 de março p.p. no site do jornal Estado de São Paulo, a venda do livro tem a participação de funcionários do gabinete, que buscam o volume, não sei aonde, para que aí seja posta uma dedicatória da autora, caso haja interesse do adquirente. Reproduzo abaixo, literalmente, a coluna citada: “se um fã de culinária se interessar, um funcionário do gabinete logo avisa como adquirir um exemplar: Aqui mesmo, por R$ 30, com direito a dedicatória".
Os recursos auferidos na comercialização da brochura são destinados à Creche Vovó Zoraide, em Uberlândia – MG o que, convenhamos, é um gesto nobilíssimo. Entretanto, não é conveniente para quem tem o dever de apontar e punir erros e abusos das autoridades e dos serventuários da Justiça a utilização de espaço, tempo e pessoal do Estado para a negociação de qualquer produto. Trata-se, tão somente, de uma questão conceitual, mas, nem por isso, de menor relevância.
Uma pena, um deslize, um país que se esborracha e uma esperança que se esvai num cidadão que, como eu, mais uma vez, se decepciona.
(*) André Carvalho não é jornalista, é "apenas" um cidadão que observa as coisas do dia-a-dia. Um free lancer. Ou segundo sua própria definição: um escrevinhador. Seus sempre saborosos textos circulam pela web via e-mails.