Battisti, uma questão italiana
Não há nada a fazer, o caso Cesare Battisti não é mais um problema diplomático entre Itália e Brasil, está se tornando algo muito mais grave. Hoje [27 de janeiro], o embaixador italiano no Brasil voltará à Itália para consultas. É um ato duríssimo e sob certos aspectos clamoroso.
Neste momento, a tensão entre os dois países, com uma longa tradição de boas relações diplomáticas, parece pelo menos surpreendente. Nesta altura, Batisti certamente terminará como refugiado político no Brasil, porque nenhum país no mundo expõe-se com um parecer do seu presidente e depois recua das suas decisões. E é francamente impensável, sendo o Brasil uma das maiores potências do mundo, que a Itália interrompa as relações diplomáticas.
Mas não é no Brasil que a partir deste momento se joga a partida, mas sim na Itália. Porque o caso Battisti vai reexpor o nó da solução política sobre o terrorismo dos anos setenta na Itália. E é um nó que ninguém é capaz de cortar ou desatar.
O que fazer? Aceitar que um país soberano e importante conceda e legitime os homicídios de Battisti, reconhecendo que aqueles homicídios eram só a parte mais extrema e violenta de uma guerra civil, de um projeto político? Não era assim e não pode ser assim.
O único argumento seria este: passados trinta anos, tendo mudado de vida, tornando-se um senhor que vive como escritor, que sentido tem reabrir um caso do gênero? Pode-se não estar de acordo, mas tem uma lógica. Pena, e aqui está de fato o problema, que Battisti não peça uma solução política com base numa reflexão dolorosa e lúcida sobre a luta armada.
Todos sabemos que jamais disse uma só palavra sobre suas vítimas, jamais pediu desculpas aos familiares, mas de algum modo, por conta deste caso, tornou-se um testimonial da inevitabilidade da luta armada na Itália e do fato de que esta luta armada podia levar ao homicídio.
Tudo isso é realmente inaceitável, e o é ainda mais porque avalizado por um país soberano, importante, entre os maiores do mundo. Aceitar esta decisão significa uma derrota para todos nós, e talvez algo mais: implica a idéia de que pegar em armas contra um país, contra toda uma sociedade civil, contra cidadãos comuns, pode ser um mal inevitável ou, pior, uma necessidade.
O caso Battisti afasta para sempre do nosso cenário a solução política sobre o terrorismo dos anos setenta, faz-nos recuar, nos aniquila. Não servem mais para nada anos e anos de reflexões de todos os protagonistas sobre a luta armada na Itália, as palavras de perdão que dirigiram aos familiares das vítimas, o arrependimento autêntico de quem viveu aqueles anos e provocou vítimas, a reflexão crítica dos que se dissociaram da luta armada ou até de quem quis acertar até o fim suas contas com a justiça.
Está tudo cancelado, naquele sorriso zombeteiro que Battisti mostra diante dos flashes dos fotógrafos.
* Roberto Cotroneo é jornalista de L'Unità, que foi durante décadas o orgão oficial do Partido Comunista Italiano.
Neste momento, a tensão entre os dois países, com uma longa tradição de boas relações diplomáticas, parece pelo menos surpreendente. Nesta altura, Batisti certamente terminará como refugiado político no Brasil, porque nenhum país no mundo expõe-se com um parecer do seu presidente e depois recua das suas decisões. E é francamente impensável, sendo o Brasil uma das maiores potências do mundo, que a Itália interrompa as relações diplomáticas.
Mas não é no Brasil que a partir deste momento se joga a partida, mas sim na Itália. Porque o caso Battisti vai reexpor o nó da solução política sobre o terrorismo dos anos setenta na Itália. E é um nó que ninguém é capaz de cortar ou desatar.
O que fazer? Aceitar que um país soberano e importante conceda e legitime os homicídios de Battisti, reconhecendo que aqueles homicídios eram só a parte mais extrema e violenta de uma guerra civil, de um projeto político? Não era assim e não pode ser assim.
O único argumento seria este: passados trinta anos, tendo mudado de vida, tornando-se um senhor que vive como escritor, que sentido tem reabrir um caso do gênero? Pode-se não estar de acordo, mas tem uma lógica. Pena, e aqui está de fato o problema, que Battisti não peça uma solução política com base numa reflexão dolorosa e lúcida sobre a luta armada.
Todos sabemos que jamais disse uma só palavra sobre suas vítimas, jamais pediu desculpas aos familiares, mas de algum modo, por conta deste caso, tornou-se um testimonial da inevitabilidade da luta armada na Itália e do fato de que esta luta armada podia levar ao homicídio.
Tudo isso é realmente inaceitável, e o é ainda mais porque avalizado por um país soberano, importante, entre os maiores do mundo. Aceitar esta decisão significa uma derrota para todos nós, e talvez algo mais: implica a idéia de que pegar em armas contra um país, contra toda uma sociedade civil, contra cidadãos comuns, pode ser um mal inevitável ou, pior, uma necessidade.
O caso Battisti afasta para sempre do nosso cenário a solução política sobre o terrorismo dos anos setenta, faz-nos recuar, nos aniquila. Não servem mais para nada anos e anos de reflexões de todos os protagonistas sobre a luta armada na Itália, as palavras de perdão que dirigiram aos familiares das vítimas, o arrependimento autêntico de quem viveu aqueles anos e provocou vítimas, a reflexão crítica dos que se dissociaram da luta armada ou até de quem quis acertar até o fim suas contas com a justiça.
Está tudo cancelado, naquele sorriso zombeteiro que Battisti mostra diante dos flashes dos fotógrafos.
* Roberto Cotroneo é jornalista de L'Unità, que foi durante décadas o orgão oficial do Partido Comunista Italiano.