
Por Carlos Brickmann
O fantástico show da morte
Do lado de dentro do apartamento simples em Santo André, SP, a tragédia: duas meninas ameaçadas por um homem armado, que terminaria por matar uma e ferir a outra. Do lado de fora, a festa da imprensa: repórteres, câmeras, celulares, entrevistas ao vivo com o sequestrador, que a cada instante se sentia mais poderoso, uma celebridade. E transmissões diretas, que permitiriam que o criminoso acompanhasse, minuto a minuto, as manobras da Polícia.
A liberdade de imprensa não pode ser limitada: a Constituição não o permite, e represar informações vai contra o interesse do país. Mas liberdade de expressão não significa, por exemplo, que alguém deva gritar “fogo!” num estádio lotado.
E liberdade implica responsabilidade. Quanto mais liberdade, mais responsabilidade. Teremos sido nós, jornalistas, ao elevar a auto-estima do criminoso, ao revelar-lhe a cada momento os planos da Polícia, co-responsáveis pelo tiro em Nayara e pela morte de Eloá?
Há quase 60 anos, um filme clássico de Billy Wilder sobre a imprensa, A Montanha dos Sete Abutres, com Kirk Douglas, já narrava como pode ser nocivo o envolvimento dos jornalistas com os acontecimentos.
Jornalistas devem reportar, não interferir. E colocando no ar, ao vivo, um maluco homicida armado, a imprensa interferiu nos fatos: transformou-o em famoso, inflou seu ego assassino, ajudou-o a se sentir acima do bem e do mal. Não há ganho de audiência, nem de circulação, que valha a vida de Eloá.
Se deu certo com um, por que não com outro? Se o sequestrador e assassino da namorada virou celebridade (e não por 15 minutos, como é de praxe, mas por mais de quatro dias), pautou as tevês, deu entrevistas ao vivo, por que não seguir seu exemplo?
Outro idiota, este de Minas, resolveu ficar famoso também: em Ibirité, invadiu a casa da namorada, feriu os pais dela a bala (por que não aprovavam o namoro), e sabe-se lá até onde iria se a Polícia não interviesse a tempo. Esta notícia meio que sumiu no meio da repercussão do assassínio de Eloá. Mas deve manter-se em destaque na cabeça dos jornalistas.
Até que ponto temos algo a ver com isso?
Nas proximidades do local do sequestro, só faltou baiana para fazer pastel e um bom churrasco de gato. E, naquela festa do caqui, que ignorava a tragédia desenhada, até o Governo tomou parte, mostrando-se confuso e desorganizado para lidar com a crise.
Foi quando o governador José Serra, informado por seu secretário da Segurança, informou que Eloá estava morta. A informação só viria a estar certa alguns dias mais tarde. Só que isso não é desculpa: se fosse, poderíamos noticiar a morte de qualquer pessoa a qualquer momento, porque um dia esta informação falsa se transformaria em verdadeira.