A vida como ela não é
Não faz muito tempo. Respondendo a um grupo que se sentia discriminado pela publicação de uma foto tendenciosa, o então diretor de Redação de O Estado de S.Paulo, Sandro Vaia, disse com toda a propriedade: “Nunca ouvi falar de foto tendenciosa”. Passou-se pouco tempo, e hoje existe a foto tendenciosa (como aquela do foguete iraniano, que transformava um lançamento fracassado numa demonstração de força). Existe a foto que modifica a realidade – e esse tipo de foto já foi levado aos tribunais.Um grande jornal foi condenado a indenizar um advogado por identificá-lo, na foto, como homossexual. Na imagem, dois homens se abraçavam, e a reportagem os identificava como gays “ainda no armário”, que se fingiam heterossexuais e marcavam encontros clandestinos pela Internet. Mas parece que os dois cavalheiros eram apenas bons amigos que se encontraram num bar, ambos acompanhados pelas respectivas esposas, apagadas da foto pelo enquadramento. A imagem foi trabalhada para ficar mais escura, mas o tratamento falhou: mesmo escura, a foto permitia identificar os personagens. Um deles entrou na Justiça. Outro caso interessante é o do bebê que caiu do terceiro andar e foi salvo pela fralda, que se enganchou numa cerca. Na foto original, captada com felicidade pela Folha de Pernambuco, do Recife, a fralda estava suja de cocô. Nas imagens que os jornais do país inteiro publicaram, a fralda estava limpinha, limpinha. É o tradicional princípio de que muita gente lê o jornal tomando o café da manhã, e imagens que possam provocar nojo não são boas, ao menos para a primeira página. Um grande jornal nacional foi fundo: a fralda limpinha na primeira página, a mesma fralda, agora suja, nas páginas internas.Nada contra o processamento da foto, nem contra preservar o leitor de imagens possivelmente desagradáveis – desde que a informação seja dada com clareza, algo como “imagem processada, com alterações”, ou “fotomontagem”. E, claro, que não seja naquela letrícula minúscula utilizada para a assinatura das fotos. A informação, para ter valor, deve no mínimo ser legível (e, a propósito, por que usar letrinhas tão pequenas para a assinatura das fotos? Por que o repórter fotográfico não merece assinatura do mesmo tamanho do usado para o repórter de texto?