quarta-feira, 4 de junho de 2008

Contraponto 'a campanha anti-fumante

Escrito por Tutty Vasques para o Estado de SP

Guernica antitabagista
"No princípio - a coisa começou a pegar no final de 2003 -, eram fragmentos de pernas amputadas, pulmões carbonizados, gengivas carcomidas, fetos em vidro de maionese, horrores atribuídos ao cigarro que a guerra contra os fumantes expôs na propaganda oficial como uma Guernica antitabagista.
Cinco anos depois, muito provavelmente porque não há registro de fumante que deixou de sê-lo por causa da imagem gravada no maço que carrega no bolso, o Ministério da Saúde resolveu radicalizar o combate. Seremos agora bombardeados com portraits de cadáveres necropsiados, fetos apodrecidos misturados a bitucas, faces necrosadas, jovens escornados, corações feitos de cinzeiro e - o que faz o mais célebre quadro de Picasso parecer ilustração de livro infantil -, a visão surrealista de uma cabeça arrebentada a golpes de machado para ilustrar o risco de derrame cerebral em fumantes.
Parece sacrilégio se chocar com essas coisas no embalo do Dia Mundial Sem Tabaco, comemorado ontem (sexta -31 de maio) , mas falo com a consciência tranqüila dos não-fumantes de bem com a vida.
As novas imagens de advertência do Ministério da Saúde são de um terrorismo desnecessário, em especial com quem largou o vício - ou nunca o teve - e será inevitavelmente exposto ao horror da propaganda oficial. Bastará entrar num bar ou conviver com um fumante - todo mundo conhece um - para ser assombrado por alegorias da morte, da mutilação, do sofrimento... Impotência sexual, no caso, é pinto. Se a campanha chegar à TV, tirem as crianças da sala.
Pela lógica do raciocínio antitabagista, toda embalagem de McLanche Feliz seria decorada com tenebrosas imagens de carótidas e coronárias entupidas de gordura gosmenta e amarelada.
Os carros sairiam de fábrica com respingos de sangue no painel e no estofado para lembrar o risco de traumatismo craniano e afundamento de tórax ao volante.
As bolachas que contabilizam o consumo de chope nos bares chegariam à mesa do freguês ilustradas com detalhes da ressonância magnética de um fígado destruído pela cirrose. Imagino que a imagem dê bem a idéia do que a bebida é capaz.
Talvez seja mesmo conveniente alertar a população para toda sorte de riscos que corremos diariamente. Por exemplo: praticar esportes pode causar estiramento muscular; respirar em São Paulo é uma temeridade - mergulhar no Rio de Janeiro, outra; o trabalho estressa; roubar pode dar cadeia; andar na rua é se expor à violência, viajar de avião é coisa de quem não tem amor à vida...
Para cada uma dessas advertências é possível produzir uma infinidade de imagens assustadoras. Por que, então, reservar aos fumantes a exclusividade do tratamento de choque? Não conheço um só amante do cigarro que não faça de tudo para interromper essa relação avassaladora que o consome. Não existe tabagista que se gabe do apego à nicotina. Essa gente não precisa de susto. Tenham, pois, piedade do pessoal. "