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domingo, 1 de maio de 2016

Dilma deixará saudades?

Por Leandro Narloch.


Vou sentir saudades
O governo Dilma está acabando, e é ótimo que acabe, mas preciso dizer que terei saudade dos constrangimentos diários que o PT se impôs e do movimento pelo impeachment da presidente. 




Vou sentir uma saudade enorme dos discursos da Dilma, engraçados de tão indecifráveis, das memes inspiradas na saudação à mandioca, dos milhares de panelas retumbando nas varandas durante a propaganda eleitoral do PT, da mulher sapiens, do Pixuleko e dos Pixulequinhos, dos áudios do Lula, do repórter da Globonews tremendo ao ler o conteúdo do áudio entre Dilma e Lula, do protesto espontâneo que ajudei a formar em Copacabana pouco depois do Moro ter liberado os áudios, do estilo metaleira dos discursos da Janaina Paschoal, do estilo indie-dos-pampas da Banda Loka Liberal, “tamo na rua pra derrubar o PT”, dos funcionários de uma padaria de São Paulo tirando sarro de quem ainda defende o governo, das senhoras que acamparam em frente ao apartamento de Renan Calheiros em Maceió pedindo o apoio dele ao impeachment, do amigo negro que foi à passeata com o cartaz “elite branca contra o PT”, do estoque de vento, do tubo de dentifrício, da multidão gritando na Paulista “Dá-lhe dá-lhe dá-lhe dá-lhe Moro!”, das projeções em raio laser do MBL nas paredes do Congresso, da tolice da Jandira Feghali ao filmar Lula dizendo grosseria ao telefone, das malandragens de Eduardo Cunha (em quem o termo “Meu malvado favorito” encaixa perfeitamente), da República de Curitiba, dos amigos petistas se debatendo com o fato do povo rejeitar o PT, dos moradores aplaudindo nas janelas enquanto a passeata passava pela avenida Nossa Senhora de Copacabana, das vaias ao Aécio nos protestos, das acrobacias intelectuais dos petistas para justificar por que é ok a empreiteira bancar a reforma do tríplex e do sítio, da hashtag #tchauquerida, dos políticos mais obscuros que de repente viraram ministros do governo Dilma, das camisetas “A culpa não é minha, eu não votei nela”, das pessoas que desciam dos prédios em Copacabana para engrossar a passeata, dos buzinaços às três da tarde de uma sexta-feira, do meu filho destruindo a panela na varanda e se esgoelando ao gritar “Fora, Dilminha!”, de tudo isso eu vou sentir uma enorme saudade.

 Mas que bom que acabou.

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quarta-feira, 27 de abril de 2016

Bolsonaro e J Willys, dois lados de uma só moeda

Por Leandro Narloch.


Pior que Bolsonaro só Jean Willys
A cusparada de Jean Wyllys em Jair Bolsonaro durante a votação do impeachment propagou a ideia de que eles estão em lados opostos da política brasileira. Não acredito nisso. Os dois são para mim gêmeos que brigam, duas faces de uma moeda que deveríamos deixar esquecida na gaveta.

Arte de SINOVALDO


Um defende o intervencionismo e os trambiques econômicos de Dilma, mas não os da ditadura militar; outro defende o intervencionismo e os trambiques econômicos da ditadura militar, mas não os de Dilma.

Um apoia a ditadura brasileira, mas não a de Cuba; outro se deixa fotografar vestido de Che Guevara, mas acha que impeachment é golpe.

Um defende a liberdade dos gays, mas não a liberdade econômica. Outro defende a liberdade econômica (ou pelo menos diz defender, agora que os liberais estão na moda), mas afirma que homossexualidade é falta de surra na infância.

Arte de SID


Os dois aderem ao radicalismo porque querem abocanhar uma parte pequena e fiel do eleitorado. Sabem que, se conquistarem 4% ou 5% dos eleitores, ficarão para sempre entre os deputados mais votados. O sucesso de um depende da briga com o outro.

Pensei que Bolsonaro, visando o eleitor médio, necessário para a conquista da presidência, iria abandonar essa defesa arcaica à ditadura. Que nada: lá estavam ele e seu filho, na votação do impeachment, oferecendo o voto “aos militares de 64”.




Tenho visto colegas afirmando que Bolsonaro “está cada vez mais liberal”. Então como pode defender um governo militar que cerceou a liberdade individual dos cidadãos, infestou o Brasil de estatais, plantou a hiperinflação ao esculhambar as contas públicas, fechou a economia brasileira ao comércio internacional e deu tanta força quanto o PT às negociatas com empreiteiras?

Jean Wyllys cai em contradições similares. É impreciso afirmar que ele apoia a liberdade de costumes, pois defende apenas as suas bandeiras. Se dois homens estiverem fechados num quarto trocando carinhos, Jean Wyllys diz que ninguém deve se intrometer; se os mesmos dois homens estiverem num quarto trocando bens e serviços, Jean Wyllys defende intervenção pesada do Estado. Vai entender.


Arte de DUKE


Me parece que Jean Wyllys quer tornar obrigatório o que gosta e proibido o que rejeita. Defende a legalização da maconha, mas deve ser favorável à proibição do Big Mac com brinquedos. No primeiro caso, diz que a sociedade não deve se impor sobre escolhas individuais; no momento seguinte, afirma o contrário. Oscila entre a libertinagem e a carolice.

Nesse tema, Bolsonaro se sai um pouco melhor. Ele não é exatamente contra os gays – já disse mais de uma vez que não se importa com o que os gays façam da vida, só é contra doutrinação sexual nas escolas. Eu não posso te proibir de ser homossexual, você não pode me obrigar a ensinar a meu filho coisas que eu não quero ensinar, assim a liberdade de todos é preservada. Quem diria: na liberdade de costumes, Bolsonaro é mais tolerante que seu irmão gêmeo Jean Wyllys.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

Ataques em Paris: já estão culpando a vítima

Por Leandro Narloch

Hoje, em sua página na VEJA.online

Ataques em Paris: já estão culpando a vítima
O ataque contra os jornalistas franceses do Charlie Hebdo mal acabou e já tem intelectual culpando as próprias vítimas pelo episódio.

Como sempre acontece nesses casos, a opinião vem neste formato: “Não estou defendendo o estuprador, mas a mulher não deveria sair por aí com uma saia tão curta. Não estou defendendo o assaltante, mas isso que dá ostentar um Rolex”.

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Esse jornal deveria compreender que isso não se faz, é atrair problema”, disse, ao vivo na Globonews, a professora Arlene Clemesha, da USP. “É claro que não estou defendendo os ataques, mas não se deve fazer humor com o outro.” A professora ainda chamou a revista de sensacionalista. O Charlie Hebdo não é sensacionalista – é uma revista satírica parecida com O Pasquim, que a professora deve adorar.

Pouco antes, o professor William Gonçalves, da UERJ, foi mais constrangedor. Culpou os próprios jornalistas pelos ataques, disse que as charges foram um ato de irresponsabilidade e perguntou qual é a graça de se fazer charges com Maomé. “Quem faz uma provocação dessa não poderia esperar coisa muito diferente”, diz ele.

Ora, é claro que o humor sobre religiões tem sua graça. O Porta dos Fundos zomba de religiosos quase toda semana – entre eles, os muçulmanos. O musical The Book of Mormons tem duas horas de pura ridicularização da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias. Maomé foi um entre tantos religiosos que o Charlie Hebdo satiriza.

Mas o importante é que os jornalistas franceses não cometeram nenhum crime. A charge sobre Maomé é inofensiva – não se pode acusar a revista de discriminação. A liberdade de expressão não só é garantida pela lei local – também é um dos grandes valores da cultura francesa.