segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Ainda a 2ª instância no STF

Por Elio Gaspari.


Fechou-se o alçapão do andar de cima
Voto vencido na decisão do Supremo Tribunal Federal que permitiu o encarceramento de pessoas condenadas na segunda instância do Judiciário, o ministro Celso de Mello disse que o princípio do trânsito em julgado é um "velho princípio, detestado por regimes autocráticos. Os regimes autocráticos temem a liberdade".



É verdade, as ditaduras detestam dar direitos a quem querem condenar, mas a analogia do ministro não fica em pé. Os Estados Unidos não são um regime autocrático e lá os condenados vão para a cadeia depois da sentença da primeira instância ou do julgamento do recurso na etapa seguinte. Outros argumentos da minoria da corte podem render bons debates. Esse, não.

O caroço da jabuticaba está no tempo que o Judiciário leva para julgar o último recurso do condenado. À primeira vista, o Brasil tem até quatro instâncias até um caso terminar no Supremo. Contando-se as camadas internas da burocracia judiciária, podem passar de dez. Se o processo vai ao STF, a espera pode totalizar uns bons cinco anos, durante os quais o condenado fica solto, podendo ser beneficiado pela prescrição do crime. Recorrer aos tribunais de Brasília custa os tubos, não é coisa para o andar de baixo.

A reviravolta provocada pela decisão do Supremo não tira ao condenado preso o direito de recorrer. Apenas leva-o a abandonar qualquer interesse pela procrastinação dos seus recursos.

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domingo, 28 de fevereiro de 2016

Porta Aberta ao Juízo - LXV




Muitas coisas esquentam o coração da gente... 
As que esfriam são terríveis!


[Gilberto Quadros]
{extraído do livro Porta Aberta ao Juízo}

O Brasil na análise de Gaudêncio Torquato

Por Gaudêncio Torquato.
Porandubas políticas - 25FEV


Acarajando
A operação Acarajé é mais uma bomba nos costados do PT. Vai ser difícil explicar dinheiro pago a João Santana no exterior. Três contas, uma em Londres, outra em Nova Iorque e a terceira na Suíça. Santana teria recebido nas duas campanhas - Lula e Dilma - mais de R$ 170 milhões. Mas ele fez campanhas presidenciais no exterior, em Angola, República Dominicana e Argentina, entre outras praças. Sérgio Moro, ao que parece, tem ainda muitos trunfos até a reta final. P.S. Esse tal de Zwi Skornicki, operador, deve ser uma ponte para grandes descobertas.

Arte de CLAYTON


O bombardeio
Luiz Inácio continua sendo bombardeado. Não vai escapar de novos depoimentos. Agora, a PF diz que há indícios que requerem investigação no entorno de Lula. Pesquisa Ibope mostra que aumentou rejeição contra ele. 61% não votariam de jeito nenhum no ex-presidente. Mas ele ainda é protagonista forte : 19% dizem que votarão de qualquer maneira nele.

E aí, FHC ?
Fernando Henrique ainda está devendo explicação clara sobre os pagamentos feitos por uma empresa a Mirian Dutra, mãe de seu filho. Ele diz que mandou 100 mil dólares para a empresa pagar mensalmente três mil dólares à ex-namorada. Mandar dinheiro para uma empresa ? Por que o dinheiro não foi dado diretamente a ela ? Ele poderia dizer : estou pagando 35 mensalidades. Algo assim.


Arte de PELICANO

Brasif
Mas o PT quer abafar também esse caso da empresa que teria recebido o dinheiro de FHC. Afinal, ela foi vendida em 2006 por R$ 500 milhões ao grupo suíço Dufry. Sob o governo Lula. Pergunta-se : quem teria avalizado/endossado esta operação ? A Brasif era de propriedade de Jonas Barcelos, o dono do sítio de Atibaia. Que imbróglio !

A boa comunicação
Atenção, candidatos : a boa comunicação, ao contrário do que muitos imaginam, não é a superplástica dos programas de televisão, aqueles quadros movidos à computação gráfica, repletos de elementos de ficção. A boa comunicação é aquela que chega de maneira fácil e objetiva na mente do eleitor. É a comunicação que induz e motiva o eleitor a tomar uma decisão. As campanhas eleitorais têm abusado de efeitos gráficos na TV. Geram efeito devastador sobre o perfil de alguns políticos : a chamada fadiga de imagem. O uso exagerado da cosmética televisiva gera desconfiômetro. Blá blá blá.



Arte de JUNIÃO

Decisão STF
A decisão do Supremo de autorizar o encarceramento de condenados na 2ª instância, relativizando o princípio da presunção de inocência, passa a impressão de que a Corte está vivendo um afrouxamento constitucional. Está assumindo o lugar de uma Assembleia Constituinte, invadindo a esfera legislativa e politizando a Justiça. Nunca vi uma Corte agindo sob o clamor das ruas. Dedo para cima ou dedo para baixo ? Esse era o gesto que a galera fazia no Coliseu Romano quando um gladiador caia pela espada do adversário. O imperador deixava o gladiador viver ou morrer, olhando para o polegar levantado ou baixado da turba. Cuidado, magistrados !

Efeitos colaterais
Os efeitos colaterais da quebra da presunção de inocência serão, entre outros :
  • a. multiplicação das delações premiadas ; 
  • b. superlotação de presídios com políticos e empresários ;
  • c. abertura de janelas para outras quebras de cláusulas da Constituição Federal.
Arte de ALPINO



TSE ganha fôlego
A operação Acarajé vai suprir o TSE com muitos documentos. Sérgio Moro não pode fazer a investigação eleitoral. Vai mandar farta documentação para o TSE. Que irá apurar se propina da Petrobras entrou nas doações oficiais da campanha do PT.

E os tucanos ?
Pergunta que não quer calar : se PT, PMDB e PSDB receberam doações das mesmas empreiteiras, por que a grana de um partido é diferente da outra ? Por que a grana de um é suja e de outro, limpa ? Os tucanos receberam 40 milhões, sete a menos que o PT. Precisam também explicar.



Delcídio
Deve assumir o mandato com moderação. Não se espere do senador um discurso inflamado. Ele sabe muitas coisas, mas deve saber que palavras duras contra colegas, mesmo os que o condenam, podem ser decisivas para sua cassação. Vai mostrar que foi vítima de um complô. Mas o Senado, a partir do Conselho de Ética, terá de decidir sobre a perda do mandato. O PT vai excluí-lo dos quadros.

Zika
A tal Zika congênita se espalha pelos cantos do país, a partir do Nordeste. Vejo muita autoridade nos lugares, mas não vejo ataque ao mosquito. A vacina vai demorar. Enquanto isso, a da dengue está sendo testada. Resultados em um ano. Imaginem, agora, os efeitos da zika numa geração.

Arte de MIGUEL


Impeachment
Se o impeachment havia refluído, ganhou fôlego com a operação Acarajé. Digamos que o sentimento social aumentou um pouco as expectativas. Mas o leit-motiv para o afastamento de Dilma ainda não surgiu. Se for por meio das pedaladas fiscais, ficará até o fim do mandato. Se for demonstrado desvio de propina para campanha, TSE poderá cassar chapa. E autorizar novas eleições. Este consultor político não acredita nessa hipótese. Ela irá até o final do mandato.

A arte de governar
Saint Just, um dos jacobinos da Revolução Francesa, executado após a queda de Robespierre, expressou uma desilusão ao dizer que "todas as artes produziram maravilhas, exceto a arte de governar, que só produziu monstros". A mesma amargura pegou o coração do segundo presidente dos Estados Unidos, John Adams, que nos legou a seguinte leitura : "todas as ciências progrediram, menos a de governar, que não avançou : hoje é praticada apenas um pouco melhor do que há quatro mil anos".

Arte de SINOVALDO


Eleição para comissões
Afinal, vai ser possível haver chapa avulsa para eleição de Comissões ? Ou apenas chapas arrumadas pelas lideranças ? O embargo de declaração de Eduardo Cunha ao presidente ainda não foi respondido. O executivo pede nulidade da questão, que é matéria vencida, segundo argumenta. Cunha teria feito o embargo antes de sair o acórdão.

Pautas fortes
Senado e Câmara organizam pautas fortes : CPMF, DRU, Reforma da Previdência, Ajuste Fiscal, Partilha na Exploração do Pré-Sal, etc. Este último projeto, de autoria do senador José Serra, quebra o monopólio da Petrobras. Deve passar. CPMF hoje não passa. Daqui a um tempinho, pode passar. DRU, sim. Reforma da Previdência, mesmo sob a guerra do PT e CUT, passa.

Arte de GENILDO


A vez da mulher
Cresce o papel da mulher na política. Neste ano, terá um desempenho especial no pleito. Lembro Margareth, ex-mulher do ex-primeiro ministro do Canadá, Pierre Trudeau, pai do atual primeiro ministro, Justin Pierre James Trudeau : "quero ser algo mais que uma rosa na lapela do meu marido".

Sigilo
O STF passa mesmo a impressão de que está agindo de acordo com o viés político. Vai autorizar a quebra do sigilo bancário dos contribuintes, mesmo sem autorização judicial. Basta a Receita Federal pedir. Big Brother nos cerca. Acabou o sigilo no país. Adeus, intimidade.

Arte de JBOSCO


Oposicionismo
O oposicionismo deve levar a melhor na campanha deste ano. Não me refiro aos partidos de oposição. Falo dos oposicionistas nos planos Federal, estadual e municipal. Os candidatos de oposição, contra o status quo nos ambientes e espaços, deverão fazer a maioria de prefeitos. A campanha terá como foco o "contra". A conferir.

Os brasileiros
Deus carimbou alguns povos com tintas muito acentuadas. Diz-se que aos gregos concedeu o amor à ciência ; aos povos asiáticos, o espírito combativo ; aos egípcios e fenícios (sendo estes últimos os atuais libaneses), imprimiu a marca do amor ao dinheiro. Aos brasileiros, Deus deu a capacidade de improvisar mais que outras gentes. O brasileiro sabe dançar na corda bamba. Não é de sim, sim, não, não. Prefere o talvez. O senhor tem religião ? "Sou católico, mas não praticante" ! Trabalha quantas horas por semana ? "Mais ou menos 40 horas".

Arte de IVAN CABRAL


Suicídio

Por que : angústia ? Depressão ? Vida sem sentido ? Cresce o número de suicídio na área das jovens mulheres em São Paulo. A taxa cresceu 25% de 2010 até hoje.

Eleições
As eleições de outubro próximo deverão ser mais seletivas que as de 2012, na crença de que o eleitorado comparecerá às urnas com um sentimento de que poucos políticos estão a merecer o seu voto. A constatação mais comum que se flagra na interlocução cotidiana é a de que "todos os políticos são farinha do mesmo saco". Ante a expansão da descrença social, é oportuno resgatar os traços que ornam o perfil político do gosto do eleitor.

Eric Clapton, Buddy Guy, BB King e Jimmy Vaughn



A Semana




































sábado, 27 de fevereiro de 2016

Karina Rabinovitz, nossos parabéns!







talvez aos 50, me torne
a andarilha errante que não
fui aos 20, solta
como a menina descalça, com seu
violão de brinquedo, perambulando
pela rodoviária de Itaberaba, descobrindo
vias cobertas de pó, descansando
sob sombras de ipês
roxos, jogando
totó nos bares de beira
de estrada, fazendo gol
com os bonecos sem cabeça,
vermelhos desbotados, grudando
os olhos nas nuvens. talvez
aos 50 eu faça aquele número 
de trapézio que sonho
desde os 16 e segure
com as mãos bem firmes, os pulsos
do vento, pra depois aprender a reviravolta 
das cambalhotas e então me soltar sem
lembrar se tem 
rede ou não. sim, 
aos 50 talvez 
eu encha envelopes de depósito 
de cheques, com pipoca e corra 
pela rua jogando 
essas pequenas flores brancas 
de milho pelo chão, como pistas de algum 
caminho até lugares 
inseguros, onde eu possa
chorar à vontade
sob o sol das duas
da tarde, sem me preocupar
em seguir ou voltar. aos 50
talvez sim eu vire
a surfista com o sol tatuado
no corpo todo, que sempre quis 
ser e leia ondas, enquanto
visito o vácuo com braços
pássaros e me exibo
de cabeça pra baixo, num floater 
sem platéia, jogando 
os sacos de areia da matraca
do meu pensamento, pra fora,
em cada aéreo coreografado
com as espumas. talvez
aos 50, quando voltar
a ler este poema, eu seja
tudo isso mais
(era) uma vez.

Notinhas da Folha



Olha o acordão aí 
A cúpula do Senado decidiu fazer operação-padrão para não julgar Delcídio do Amaral ao menos até que o STF se pronuncie sobre a denúncia contra o petista. O plano é enrolar o processo no Conselho de Ética, empurrando com a barriga a nomeação do novo relator do caso e esticando os prazos da comissão. Para os caciques do Senado, prosseguir com os trâmites agora abriria um precedente perigoso para os demais implicados na Lava Jato, entre eles o presidente Renan Calheiros.

Os principais partidos da Casa compartilham o barco da Lava Jato. Estão nele três nomes do PMDB, Renan, Valdir Raupp e Romero Jucá; três do PT, Gleisi Hoffmann, Humberto Costa e Delcídio; dois do PP, Ciro Nogueira e Benedito de Lira, e um do PTB, Fernando Collor.

A oposição também não fica de fora: Aloysio Nunes, do PSDB, é alvo de inquérito desmembrado da operação. José Agripino, do DEM, também tem inquéritos abertos no Supremo, mas fora da Lava Jato.

Em conversas reservadas, Renan tem questionado: se o Supremo ainda não se posicionou sobre o caso de Delcídio do Amaral, por que o Senado teria de se antecipar?

Depois de tanto silêncio do Planalto, o ministro Ricardo Berzoini (Secretaria de Governo) vai procurar o antigo líder do governo para conversar.

Com a prisão pedida pelo Ministério Público, o ex-senador Luiz Estevão vive um duplo drama: ele casa uma de suas filhas neste sábado. “A festa vai acontecer, esteja eu onde estiver. Se, em condições normais, meu desejo é ficar solto, imagine neste dia”, diz ele.

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Cinco virtuoses

4 min 25 seg

Relatório Krushev


Por Mario Sergio Conti.


Relatório Krushev
Daqui a pouco será o aniversário de 60 anos da leitura, na tribuna do 20º Congresso do Partido Comunista da União Soviética, do Relatório Krushev. Foi um auê. Um governante russo incriminava pela primeira vez Josef Stálin, enterrado três anos antes no Kremlin com a auréola de santo.

O relatório fez com que algo do Stálin real emergisse. Ele mandara torturar e matar centenas de milhares de inocentes. Deportara povos e perseguira etnias. Provocara crises alimentares e instituíra o trabalho forçado. Fizera um pacto com Hitler que levou 22 milhões de soviéticos à morte, na Segunda Guerra Mundial.



Nikita Krushev, secretário-geral do PC, discursou em 23 de fevereiro de 1956, ao fim de um congresso modorrento. Os 1.450 delegados do partido ficaram em choque, mas não receberam o documento impresso.

Mesmo censurado pela imprensa, nas semanas seguintes não se falava de outra coisa em Moscou. E, cada vez mais, na União Soviética: o relatório foi lido aos 25 milhões de filiados do PC e da Juventude Comunista. Houve manifestações contra e a seu favor.

O partido stalinista da Polônia traduziu o discurso. O texto polonês foi retraduzido e publicado, em junho, pelo "The New York Times" e pelo "Le Monde". O relatório consternou militantes mundo afora: o socialismo desandara em terror policial.



A reação ambígua dos chefetes stalinistas, coniventes e beneficiários dos crimes do tirano, fez com que relatório tivesse uma existência fantasmagórica. Só veio a ser publicado na União Soviética quando ela agonizava, em 1989.

Teve destino semelhante no Ocidente. Apenas agora saiu a tradução francesa do texto russo, feita pelo historiador Jean-Jacques Marie. Como ele anexou cem páginas de introdução e notas, o livro está cheio de novidades.

Fica-se sabendo, por exemplo, que o relatório não foi escrito por Krushev. Quem o redigiu, por ordem expressa da direção do PC, foi um stalinista de quatro costados, Piotr Pospelov, que fizera a biografia oficial do ditador e editara o "Pravda".



Krushev o leu com um objetivo tríplice. Queria fazer frente à explosão social eminente, precaver-se para o surgimento de uma nova esquerda e manietar a ala dura do stalinismo, que engendrava a sua derrubada.

A explosão de fato veio, mas nos satélites europeus. Com hiatos, ela se deu em Berlim, Budapeste, Praga e Varsóvia. A força de esquerda não se materializou. A ala dura abateu Krushev oito anos depois.

O relatório tem atualidade na Rússia e fora dela. Dentro do país porque Putin ensaia a reabilitação de Stálin, no quadro fantasioso da Grande Rússia, na qual ele seria o autocrata de turno.



A sua pertinência no exterior é outra. Aqui, a esquerda tenta se reerguer em meio à crise de seus partidos tradicionais, atolados em incoerências e apedrejados pela direita. É instrutivo, pois, ler as primeiras censuras ao relatório.

A crítica de Mao Tse-tung é manipulativa: valia tudo para vergastar os soviéticos. A de Eric Hobsbawn é stalinista: Krushev manchou o socialismo. A de Sartre, idealista: o povo deveria ter acesso ao relatório só depois de educado.



Com isso, o discurso de Krushev não provocou mudanças nem na URSS nem nos partidos comunistas. A crítica de esquerda continua necessária. Do relatório e de si mesma. Inclusive no Brasil do PT.