Mostrando postagens com marcador Economia. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Economia. Mostrar todas as postagens

quarta-feira, 30 de março de 2016

Vermelho, a cor da vergonha

Por Ruth de Aquino.
Revista Época.

Vermelho é a cor mais quente
Quase todos estão no vermelho no Brasil real. E isso explica a ampla rejeição ao governo Dilma. Explica também o apoio da maioria dos brasileiros à saída da presidente da República – seja pelo impeachment, seja pela cassação de sua chapa com novas eleições, seja por sua renúncia. A voz das ruas, das pessoas mais simples – as que não têm tempo, estudo ou dom para discussões eternas, técnicas ou ideológicas, sobre esquerda, direita, legalidade de grampos, obstrução da Justiça e condução coercitiva –, é a seguinte: “O Brasil precisa voltar a andar”.



Mesmo na crise, os gastos do governo Dilma continuam a aumentar, e isso inclui as despesas com funcionários públicos. Não é pedindo ao Congresso aval para um rombo de R$ 96,65 bilhões em 2016 que Dilma vai recuperar o apoio popular perdido. Números podem ser chatos de ler, mas não dão margem a interpretações mirabolantes de juízes, ministros, parlamentares, petralhas ou coxinhas. A meta do governo era um superavit de R$ 24 bilhões. Só que o azul virou vermelho. É a cor mais quente, a que demonstra o maior crime de responsabilidade contra o país. É a cor do Planalto e das contas dos brasileiros.

O governo está no vermelho profundo, como lava fumegante de vulcão. Mas o nome de Dilma endividada não irá para a lista negra do SPC – somente os nomes dos brasileiros comuns e sem foro privilegiado, que não podem apelar ao Supremo Tribunal Federal. Esse deficit do governo federal está subestimado, porque não leva em conta os R$ 6 bilhões da renegociação da dívida com os Estados. Além disso, todos os planejamentos do ministro Nelson Barbosa contam com a injeção, no caixa, de uns R$ 10 bilhões da CPMF. Companheiros e companheiras, o rombo do governo Dilma este ano deve superar os R$ 100 bilhões. É o descrédito na capacidade desse governo de recuperar ou estabilizar a economia que acentua a insatisfação geral e as olheiras de Dilma. Não é só o nojo com a corrupção.



O golpe que pode derrubar Dilma é o que freou a mobilidade social dos pobres e da classe média. Ao depositar o voto na urna, acreditavam que subiriam na vida e que seus filhos e netos poderiam estudar em boas escolas e ser alguém. Poderiam ser bem tratados em hospitais. O golpe da gestão incompetente de Dilma rasgou as bandeiras sociais do próprio PT. Desde 1992, o Brasil registrou pela primeira vez, em 2015, a combinação de queda de renda e aumento da desigualdade.

O desemprego recorde em sete anos, de 8,2% no mês de fevereiro, atinge quase 10 milhões de brasileiros. É muita gente que acreditou no Partido dos Trabalhadores. Eles estão na busca frenética de trabalho e dormem nas filas do seguro-desemprego, que torturam quem está ali ao exigir documentos de décadas atrás para conceder o benefício. Ouvir depoimentos de quem busca seu direito legítimo ao seguro-desemprego é uma aula para entender a impopularidade de Dilma. Só em janeiro e fevereiro, 428 mil vagas de trabalho foram destruídas, 40% delas no comércio.



A desculpa do governo para descumprir a meta, jogar pelos ares o ajuste fiscal e assumir gastos irresponsáveis é um primor: “Achamos que neste momento o governo tem de atuar para estabilizar a economia”, disse Nelson Barbosa. Quem, em sã consciência, acredita que pode estabilizar alguma coisa contraindo dívidas e mais dívidas? Se a Odebrecht tem uma central de propinas para caranguejo, avião, nervosinho, drácula, lindinho, passivo, proximus, atleta, grego, múmia, viagra, feira, há, no Palácio do Planalto e em seu Ministério da Fazenda, uma central para imprimir dinheiro e disseminar mentiras.

A convulsão mais sangrenta no Brasil não é política, mas econômica. A Petrobras fechou 2015 com prejuízo de quase R$ 35 bilhões e uma dívida de quase R$ 500 bilhões. A recessão levou 277 indústrias a fechar as portas. Trabalhadores ocupam instalações de empresas que decretaram falência. O protesto não é pela esquerda nem pela direita. Eles não empunham bandeiras do Brasil nem muito menos vermelhas. Querem sua dignidade de volta. Não querem só comida, mas até o alimento anda escasso.



O menino que deixou um saco de paçoquinhas no meu espelho retrovisor lateral por R$ 2,00 me comoveu, embora seja ilegal e arriscado o magrelo correr em meio aos carros na avenida. Não gosto de paçoca, mas as palavras na etiqueta eram: “Quem dorme sonha. Quem trabalha conquista”. Abri a janela do carro e comprei o doce de amendoim, torcendo para ele não ser atropelado e voltar para casa. Seria bom se sonho e trabalho fossem garantidos a ele. Era hora de aula. Deveria estar na escola, não é mesmo, Dilma?

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

O carnaval no país da crise, da zika e dos desempregados

Por Ucho.info


The Economist destaca que o Brasil festejará o carnaval no precipício
A revista britânica “The Economist” publica reportagem na edição desta semana para atualizar o difícil cenário político e econômico do Brasil. O título da reportagem é “Festejando no precipício”.

A publicação afirma que o feriado de carnaval não vai proporcionar nenhuma pausa na crise do país, que sofre com o aprofundamento da situação política e econômica e ainda tem de lidar com o surto do Zika vírus.

Arte de MARIANO


A revista ainda critica a estratégia de comunicação do Banco Central, que sinalizou manutenção dos juros a poucas horas da reunião de janeiro do Comitê de Política Monetária (Copom). “Ao invés de apoiar a credibilidade financeira do Brasil, o BC conseguiu prejudicar ainda mais.”

A reportagem aponta que outros problemas econômicos continuam crescendo no país e apenas no ano passado 1,5 milhão de trabalhadores foram demitidos das empresas. A revista destaca que outro 1 milhão de empregados podem perder o trabalho em 2016.


Arte de MONTANARO


Enquanto ainda tem de lidar com a ameaça de impeachment, a presidente Dilma Rousseff e o novo ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, tentam avançar com as reformas.

A “The Economist” finaliza afirmando que alas do PT já demonstraram ser contrárias à intenção de aumento da idade mínima para aposentadoria.

Muito além da matéria jornalística que enfoca o cenário caótico em que se dará a folia momesca tupiniquim é preciso recordar o carnaval de promessas mentirosas de Dilma Rousseff durante a corrida presidencial de 2014.

Arte de MIGUEL


Na ocasião, a presidente-candidata, que conquistou nas urnas um novo mandato, afirmou que o Brasil estava em momento excepcional, vendendo aos cidadãos incautos a falsa ideia do “País de Alice”, aquele das maravilhas.

Como disse certa feita um conhecido e sempre ébrio comunista de botequim, “nunca antes na história deste país”.

sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

Gaudêncio Torquato escreve sobre o momento brasileiro

Por Gaudêncio Torquato.
Charges de SPONHOLZ
PT contra Moro
O juiz Sérgio Moro começa a levar tiros nas redes sociais, principalmente dos exércitos do PT, inconformados com sua determinação de ir adiante com a Operação Lava Jato e continuar segurando na prisão figurões do partido, como José Dirceu e o ex-tesoureiro Vaccari. Moro tem recebido elogios esparsos nas redes sociais. Mas nenhum partido tem feito sua defesa. Todos estão receosos de sua conduta.



Vazamentos
Há muita queixa de líderes partidários de que o vazamento de informação continua alimentando espaços midiáticos. Ora, faz parte da estratégia de expansão dos balões da opinião pública. Os vazamentos dão conta de detalhes - malinha com rodas para levar dinheiro, uso de jatinhos, quem esteve com quem a que horas - que acabam criando indignação no bojo social. Deverão, pois, continuar.

PF independente
Não adianta querer conter as frentes de trabalho da PF. Que continuarão a cumprir tarefas de investigação e prisão. Urge lembrar que a PF cumpre mandados judiciais. E as autorizações judiciais, por sua vez, atendem recursos do Ministério Público, cuja função básica é defender a sociedade. O momento vivido pelo país exibe ações independentes e harmônicas entre os entes da administração da Justiça e dos controles do Estado.





O compromisso do MP
O Ministério Público, por sua vez, está impregnado da seiva moral, tão necessária ao país nesse ciclo de transição. Os jovens promotores que agem nas frentes de apuração e controle se acham seriamente comprometidos com a meta de "passar o Brasil a limpo", pelo que se irmanam sob o consenso dos caminhos a seguir.

Transição
O país vive um ciclo de transição. Que não se esgotará com o final das ações desenvolvidas pela Operação Lava Jato. O ciclo terminará com as necessárias mudanças na fisionomia política. O que vai significar reformas em profundidade na maneira de fazer a representação política, na forma das campanhas eleitorais, na organização partidária e na própria cultura do voto. É para acreditar que o país atravessa um corredor longo, ao final do qual se divisam horizontes menos conturbados.



Impeachment longe
Fica cada vez mais distante a ideia do impeachment da presidente Dilma. A tese de que o impeachment se ancora na balança da economia tem lá suas razões. E a economia, em 2016, será pior que a economia de 2015. Logo, o pior ainda está por vir. Mas os fatos obedecem ao espírito do tempo. O tempo de dezembro de 2015 é bem diferente desse tempo (ainda suave) de final de janeiro. O impeachment dá sinais de que está deixando para trás o bonde que o arrastava. Mera impressão ?

Contra o PT
O PSDB entrou com um recurso exigindo a extinção do PT. Que coisa mais fora de moda. É algo como ganhar no tapetão. Se quiser acabar com o PT, que dispute a eleição na arena do voto. Só o voto popular pode acabar ou fortalecer um partido. Ainda bem que FHC não concorda com esta bobagem perpetrada por alguns tucanos.



Barbosa voltou animado
Pelo que se lê, o ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, voltou animado de sua peregrinação pelo Fórum Mundial de Davos. Conversou com empresários, banqueiros, economistas, jornalistas e políticos. Não se cansou de botar conversa fora. Mas não se viu nenhum elogio de porte ao que o ministro falou. O fato de não ter sido execrado já foi uma vitória. Ao chegar, o ramerrão de sempre. Sob o dilema : como arrumar dinheiro para jogar em algumas áreas ? Prometeu estas metas na volta : destravar os nós da logística e baratear produtos nacionais.

Lula e os processos
Lula prometeu processar doravante jornalistas que ferirem sua honra e reputação. Falou de maneira séria. Mas o quê e como escrever sobre um perfil que se acha a alma mais honesta do país ? Este analista acha que Sua Excelência erra quando faz uma peroração de auto-enaltecimento. Minha avó já dizia : elogio em boca própria é vitupério. Lula poderia falar menos. Aliás, coisa que aconselhou a FHC fazer quando este deixou o governo.



segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

A história se repete

Por Josef Barat.


Depois da farsa, a tragédia
O que acontece quando um governo populista quer agradar o povo, sem preocupação com a origem e limitações dos recursos disponíveis? Certamente um desastre, pois, em algum momento, as contas não fecham. O desastre é ainda maior quando oferece mimos às grandes empresas. A postura de agradar, tanto um povo carente, quanto os empresários amigos - para preservar o poder -, acaba por desagradar a todos. Ou seja, torna-se obsoleta a velha e recorrente estratégia de "subir no caminhão" e falar o que agrada aos os peões e depois, na "sala da diretoria", falar o que os patrões querem ouvir, pois não há mais o que oferecer para ficar bem com todos. Tal estratégia, como sempre, é boa enquanto mantém partidos populistas no poder e, na hora de fechar as contas, dá o argumento que liberais malvados querem tirar o que progressistas bonzinhos oferecem ao povo.

Arte de MIGUEL


Esta é a triste sina de uma América Latina, tão distante de Deus e do mundo adulto. E tão incapaz de assumir a culpa por seus próprios desastres. Ao invés de aproveitar seus ciclos de bonança com a exportação de grãos, minérios e petróleo para investir e modernizar suas infraestruturas e indústrias, prefere queimar os recursos obtidos com estímulos ao consumo e um assistencialismo que não incorpora efetivamente as pessoas à educação moderna e ao processo produtivo. Nenhuma economia se sustenta, em prazo mais longo, com base na ignorância, exacerbação do consumo e baixos níveis de investimento. Tentativas de breves ciclos de ajustes e correção de distorções nas contas públicas, são sempre seguidos de longos ciclos de irresponsabilidade fiscal e devastação de fundamentos econômicos básicos. O velho fetiche de estimular o crescimento pelo aumento do consumo e "pouquinho" de inflação torna-se incontrolável e todos acabam sofrendo com a conjugação de inflação alta e crescimento baixo.

Arte de DUKE


A Nova Matriz Econômica do primeiro governo Dilma foi uma tentativa de dar sobrevida a algo que já se mostrava inviável no segundo governo Lula. Um breve retrospecto ajuda a entender. Após um período de estabilidade da moeda, aumento do poder de compra, previsibilidade e confiança nos negócios, equilíbrio fiscal e ordenamento das contas públicas - proporcionado pelo Plano Real e mantido no primeiro governo Lula - seguiu-se um movimento oposto, que desagregou todo o esforço anterior. 

... Inflação e desemprego de dois dígitos acompanhados de recessão prolongada e declínio do PIB, são ingredientes que conduzem a graves crises políticas e ao desmonte das instituições de Estado. A História do Brasil mostra isso...

Arte de CLAYTON


Note-se que esta desagregação comprometeu, inclusive, um processo continuado de melhoria na distribuição da renda, por causa da inflação. Afetou, também, a credibilidade internacional, devido aos rebaixamentos nas avaliações de risco. Desnecessário acrescentar a óbvia deterioração do ambiente político, resultante da estratégia de poder baseada no princípio do "eu pago, eu mando". Tanto a inevitável explosão de sucessivos escândalos de corrupção, como a radicalização irresponsável do projeto de dominação do poder, desfigurou todo o comedimento e a antiga sabedoria de contornar crises políticas.

Inflação e desemprego de dois dígitos acompanhados de recessão prolongada e declínio do PIB, são ingredientes que conduzem a graves crises políticas e ao desmonte das instituições de Estado. A História do Brasil mostra isso desde a crise de 1929-32, passando pelas de 1954-56, 1960-62, 1980-82, 1990-92. Com exceção da de 1929 e, em parte, da de 1982 - pelo forte impacto do fator externo - são recorrentes o abandono de cuidados com ajuste fiscal, ordenamento das contas públicas e controle da inflação, além da falência de modelos baseados no fetiche do desenvolvimento a qualquer preço e/ou exacerbação do consumo. 

Arte de ELVIS


Como existe aquele outro fetiche de que a História se repete, primeiro como tragédia e depois como farsa, é bom atentar para o fato que, ao contrário, no Brasil as tragédias se repetem monotonamente como decorrência de farsas. A repetição resulta tanto de erros trágicos do próprio fazer, como da escassez de prudência, bom senso e comedimento. Erros e húbris sempre dissimulados pela farsa e o burlesco, como convém ao exuberante e irresponsável ambiente tropical...

________________________________________
Josef Barat - Economista, Consultor de entidades públicas e privadas. Coordenador do Núcleo de Estudos Urbanos da Associação Comercial de São Paulo

terça-feira, 3 de novembro de 2015

Cegos em tiroteio

Por Laura Carvalho.
FOLHA SP


Cegos no tiroteio
Diante da recessão de 3% do PIB projetada para 2015, começam a aparecer notícias de que o governo está estudando medidas de estímulo ao crédito ao consumidor. Essa expansão viria de uma redução pelo Banco Central das exigências de manutenção de capital próprio e reservas compulsórias pelos bancos, condicionada ao maior desembolso de crédito para consumo.

As medidas de estímulo e desestímulo ao crédito são mais um exemplo do zigue-zague da política econômica dos governos Dilma Rousseff, que tem se especializado também em errar o timing das decisões tomadas, sobretudo por ceder a pressões de quem só deseja desestabilizar seu governo ou ver atendidos seus interesses imediatistas.

Arte de GIL.DI


Após a eclosão da crise de 2008, ficou claro nos países avançados que o estímulo ao crédito jamais pode ser usado como compensação pela estagnação dos salários e pelo aprofundamento das desigualdades. Isso porque um endividamento maior sem crescimento da renda serve apenas para dar sobrevida ao consumo e alimentar bolhas financeiras, mostrando-se, mais cedo ou mais tarde, insustentável.

Os efeitos de utilizar o crédito como substituto dos salários ainda se fazem sentir nessas economias, que sofrem com os esforços de redução de consumo para o pagamento de dívidas acumuladas pelas famílias.

A expansão do crédito no Brasil nos anos 2000 felizmente não seguiu essa fórmula. As restrições no acesso ao crédito foram reduzidas justamente quando os salários cresciam, o nível de emprego subia e a desigualdade caía.

Arte de OLIVEIRA


As linhas de crédito consignado, por descontarem os pagamentos diretamente da folha de salários dos tomadores, preservam uma relação estrita com sua condição financeira.

Mesmo assim, quando a economia cresceu 7,6% em 2010, os temores de um possível superaquecimento da demanda levaram o governo a frear a expansão do crédito com medidas macroprudenciais restritivas sobre algumas linhas de financiamento. Tais medidas, quando somadas ao ajuste fiscal realizado em 2011 e ao impacto inflacionário da desvalorização cambial de 2011 e 2012, serviram para desacelerar o consumo.

Com o mercado interno minguado e o externo também, os empresários pararam de investir e o governo se dedica desde então a procurar novas fontes de crescimento nos lugares mais improváveis.

Arte de ANGELI


Tentou primeiro ressuscitar o investimento com desonerações fiscais custosas, só para se deparar com a realidade de que os empresários não compram novas máquinas quando não estão sequer produzindo e vendendo tudo aquilo que podem.

Neste ano o governo partiu para as oferendas aos empresários e ao mercado financeiro por meio do ajuste fiscal e das altas taxas de juros, apelando para motores ainda mais místicos do crescimento, sem notar que na verdade o enterrava.

Ao se deparar mais uma vez com a realidade, o governo estaria apostando agora na volta do crédito, em vez de tentar preservar salários e empregos. Se for verdade, a notícia preocupa mais por revelar o quão perdido está do que propriamente por seus desdobramentos.

Arte de MARIANO


Não que substituir renda por crédito não seja sempre perigoso, mas a dúvida é se tais medidas terão qualquer efeito em uma economia em que consumidores e bancos não têm nenhuma razão para arriscar. 

sexta-feira, 30 de outubro de 2015

Será preciso mexer em vacas sagradas do PT ...

Será preciso mexer em vacas sagradas do PT, diz ex-presidente do BNDES
O deficit primário de 0,9% do PIB (Produto Interno Bruto) previsto pelo governo para este ano é esperado dentro do cenário econômico atual e não prejudica a classificação de risco do Brasil no curto prazo, afirma o ex-presidente do BNDES Luiz Carlos Mendonça de Barros.

FOLHA SP  entrevista  Luiz Carlos Mendonça de Barros

Folha - O governo anunciou na terça (27) uma projeção de deficit primário de 0,9% do PIB [Produto Interno Bruto] neste ano. Quais as implicações da nova meta e como fica o ajuste fiscal no longo prazo?

Luiz Carlos Mendonça de Barros - Eu tenho uma visão um pouco diferente em relação à questão fiscal neste ano, por uma razão muito simples: você tem uma queda de 3% do PIB e, portanto, tem uma queda expressiva na arrecadação do governo. É uma situação normal quando se parte para um ajuste como o que está sendo feito na economia brasileira.

Estamos passando por um ajuste recessivo, cujo objetivo central é a redução da demanda privada no país. Ora, quando isso acontece, é normal que haja queda de arrecadação. Num país como o nosso, em que 90% das despesas do governo são fixas no curto prazo, sem mudanças estruturais, o resultado final é um deficit dessa ordem.

Arte de RONALDO


O que torna essa questão mais quente do ponto de vista da discussão é que o governo cometeu um erro sério, grave, no início do ano, que foi se comprometer com um superavit primário impossível de ser atingido numa situação de recessão. E, à medida que essa recessão foi se consolidando – e ainda mostrando que é mais forte do que se previa inicialmente –, você passou de uma situação de superavit primário para deficit primário simplesmente por um erro de avaliação.

Estamos passando por um ciclo de redução de atividade provocado pelo próprio governo, por meio de duas ações: as decisões do Banco Central de subir os juros e de acabar com a farra do boi do crédito dos bancos públicos. Então, o deficit é natural dada a política econômica atual. E essa política, de redução da demanda, está absolutamente correta do ponto de vista da teoria econômica. O Brasil viveu um período de excesso de crédito e de consumo que provocou uma série de desequilíbrios, que agora estão sendo corrigidos.

Arte de JORGE BRAGA


Mas vai haver aumento da relação dívida/PIB.
Sim, a dívida do governo vai aumentar. Só que o importante agora é um compromisso com o ano que vem, 2017 e 2018, de reverter essa situação. E é preciso considerar esse aumento de dívida como uma circunstância da mudança de politica econômica. Em 2009, o deficit público nos Estados Unidos chegou a 10% do PIB, todos achavam que era o fim do mundo e não foi. O deficit americano em 2015 vai ser o menor dos últimos dez anos.

O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, tem dito que, feito o ajuste, a economia volta a crescer em seguida. O senhor concorda?
Esse é o ciclo normal da economia de mercado. Você teve um ciclo expansionista que passou do limite, e não há outro tratamento senão a redução brusca de consumo e do investimento. E isso já está começando a dar alguns sinais positivos. O mais claro e mais forte deles é o resultado das contas externas.

É evidente que o ajuste tem se dado mais pela queda das importações do que pelo aumento das exportações, mas é assim que é a vida. O primeiro período de um ajuste desse tipo nas contas correntes é a queda nas importações. Agora, com a atual taxa de câmbio, a indústria brasileira voltou a ser competitiva e já há sinais de que as exportações estão começando a se recuperar. O que está ocorrendo, para mim, está no script de uma política econômica correta para os problemas brasileiros hoje.

Arte de PAIXÃO


Estancada a sangria, o governo diz que deve cortar despesas nos próximos anos. É possível fazer isso no Brasil, com tantas despesas em que não se pode mexer?
É possível, mas vai ter que mexer em vacas sagradas do governo do PT e da Dilma. É preciso ter uma posição mais radical com uma série de programas do governo que até agora estão sendo preservados.

Agora, outra questão importante é que, pela primeira vez em muito tempo, a situação fiscal virou assunto de discussão nacional. Essa é a primeira etapa para permitir que se faça um trabalho de longo prazo e estrutural nas despesas do governo.

Arte de CLAYTON


A expectativa de que 2016 seria o ano da recuperação vem sendo, aos poucos, substituída pela ideia de, melhora mesmo, só em 2017. O próximo ano também será ruim?
Ah sim, porque esse ajuste leva tempo. No último trimestre de 2016, a situação vai estar melhor do que na média do ano. Você vai ter uma recuperação da indústria, que representa 10% do PIB, com a recuperação importante das exportações. Se você soma isso com os 5% do PIB do agronegócio, já começa a ter recuperação.

Além disso, a redução de crédito e o aumento de juros estão levando os consumidores a fazer uma revisão grande de seus gastos, e vamos ter um consumidor muito mais equilibrado financeiramente no ano que vem –e, portanto, com condições de recuperar o consumo.

O que estamos vivendo é um ciclo absolutamente tradicional de ajuste, que aconteceu no mundo todo e está ocorrendo em outros países. Por isso, me chama a atenção esse excesso de nervosismo em relação a um comportamento que está nos livros de teoria econômica.

Arte de NICOLIELO


De certa maneira, isso se explica pelo fato de que você tem várias gerações hoje no mercado que nunca viveram uma crise como essa. E o governo cometeu um erro terrível, quando ficou claro que era necessária uma correção do lado da demanda, porque procurou manter aquele período [de crescimento] ainda vivo. E então a queda no vazio foi muito pior. Tanto é verdade que isso está refletido nas pesquisas de apoio à presidente, que têm queda até maior do que a registrada pela atividade econômica.

Mas, se o governo andar adequadamente, como é o sinal nesses últimos meses, e continuar esse trabalho pelo resto do mandato, nós estaremos saindo dessa crise em um ano, um ano e meio.

Como o sr. avalia as chances de um impeachment hoje?
Aparentemente, esse negócio de impeachment foi jogado para a frente. Porque o fiel da balança, que é o PMDB, se convenceu de que assumir o governo agora, no meio dessa crise, vai ser um desgaste muito grande. Então, não há interesse imediato em fazer isso. E não há ainda nenhum sinal claro, gritante, de que se tenha condições de levar à frente um impeachment da presidente.

Qual a participação do Congresso na crise?
Assim como entramos em cúmulo-nimbo [nuvem associada a tempestades e instabilidade atmosférica] da economia, nós entramos num cúmulo-nimbo da política, porque 14 anos de bem-estar correspondem a 14 anos de hegemonia política muito forte do PT. E, de repente, você tem um vácuo no Congresso: essa hegemonia não existe mais, todo o mundo sabe que a possibilidade de recuperação é muito pequena e que uma nova hegemonia deve aparecer pela frente, só que ela ainda não está construída. Esse é outro ponto de muita insegurança e que vai precisar de tempo. Da mesma maneira que será preciso reconstruir o equilíbrio econômico, teremos de reconstruir uma nova hegemonia política, que não é a centrada no PT.

Arte de ALECRIM


O dólar deixou de subir tanto e os investidores têm olhado bastante para o cenário externo. Os ânimos se acalmaram com relação à economia brasileira?
Acho que nós passamos de uma histeria coletiva em relação a tudo para uma situação de quase normalidade. O medo de um colapso diminuiu. A situação ainda é muito insegura, mas há sinais positivos, como os ex-ministros da Fazenda Luiz Carlos Bresser-Pereira [Sarney] e Guido Mantega [Lula e Dilma] dando apoio ao Joaquim Levy, espaço para ele respirar.

O Brasil corre o risco de ser rebaixado novamente pelas agências de classificação de risco por causa do deficit em 2015?
Não é o caso agora. As agências já definiram o cenário que vão olhar, reduziram a nota e disseram que estão de olho muito mais em 2016 e 2017, vendo qual vai ser a posição do governo na parte fiscal, antes de tomar uma decisão final. Portanto, a estabilidade do ministro Levy no cargo ajuda a reduzir o nervosismo com o grau de investimento.

Arte de IOTTI


Se perder de novo o grau de investimento, quais as consequências para o país?
Atrapalha, sem dúvida. Até porque houve tanta dificuldade para ganhar o grau de investimento, e a perda dele é uma coisa real e tem que ser evitada a qualquer tempo. E só será evitada se o ministro for prestigiado e conseguir pouco a pouco, sem nenhuma mágica, mostrar que, pelo menos, o sinal do Orçamento mudou. E aí é uma questão de tempo e força política –que esse governo não tem, isso vai estar depender do próximo– para buscar as medidas necessárias no longo prazo.

segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Entrevista com Lawrence Pih

Link

Charges de NEWTON SILVA


Um dos primeiros empresários a apoiar o PT, nos anos 1980, Lawrence Pih, 72, diz que, na época, não imaginou que o "modus operandi" de se fazer política fosse universal. Hoje, ele avalia que, embora Lula tenha maior talento político e seja mais pragmático do que Dilma, ambos representam um mesmo modelo, que está errado.

Pih, que acaba de vender o Moinho Pacífico (um dos maiores importadores de trigo e processadores do cereal do país), diz que, no momento, não vislumbra solução definitiva para a crise econômica do Brasil e que é preciso cortar gastos e melhorar a eficiência da máquina estatal.
FOLHA entrevista Laurence Pih

Folha - O caminho que está sendo adotado para solucionar a crise é o correto?
Lawrence Pih - Atualmente, não há um caminho. O que está havendo é uma tentativa de equacionar um problema enorme com medidas paliativas. Não se vislumbra solução definitiva —nem a possibilidade de uma.

O sr. concorda com o ajuste como está colocado? Mudaria?
O que o Joaquim Levy [ministro da Fazenda] está fazendo não é suficiente. Reconheço que politicamente já é difícil, mas eu faria algo mais drástico. O ônus que o setor público impõe à Previdência é muito alto. Há tantos lugares em que é possível cortar gastos. Como é possível a nossa carga tributária bruta ser quase igual à de países desenvolvidos da Europa?



O que mais o governo Dilma deveria fazer?
Cortar gasto. Apertar o cinto, tornar a máquina eficiente. Já que gastamos mais do que poderíamos, agora é a hora de consertar nosso balanço como país.

O investimento no Brasil é baixo. Se você não investir e tiver um universo de consumidores aumentando, vai preencher a distância entre produção e demanda pela importação, ou seja, gerando empregos fora do país.

O governo pode impor qualquer custo sobre as empresas. Aí, o empresário vai fazer o cálculo de custo, margem, risco do país e preço de venda. Ele pensa: tem demanda? Não. Segurança jurídica, previsibilidade, estabilidade cambial? Não. Tem juros estratosféricos? Tem. Custo trabalhista? Enorme. Conclusão: não vou investir.



Como se chegou a tal crise?
Dois fatores possibilitaram o crescimento do Brasil desde que o PT assumiu o governo. Houve a explosão dos preços de commodities e o país conseguiu equacionar a dívida externa. Depois disso, o mundo estava crescendo em média 5% ou 6% ao ano. Tudo isso possibilitou investimento externo no Brasil.

Também teve muito mérito do governo FHC, que estabilizou a moeda. O Brasil entrou no vácuo do crescimento mundial e possibilitou o aumento do crédito. Com desemprego caindo e economia crescendo, a população se sentiu confortável em assumir mais dívida.

O Estado começou a gastar mais do que podia e sua participação no PIB cresceu muito, com gastos maiores do que o crescimento do PIB.

E o que é essa participação? Imposto. A carga tributária, que nos últimos anos do governo FHC estava em torno de 28% ou 29% do PIB, hoje está em 36% ou 37%. No cenário atual, é insustentável. Não estou analisando qualidade de gastos e importância da questão social. É importante ajudar os mais carentes. Entretanto, tem que lembrar se o auxílio é sustentável.



É tudo culpa da gestão Dilma ou tem raízes no passado?
Não é questão de culpa. A população escolheu Lula em 2002 porque o governo de FHC não era popular naquele momento. Houve uma mudança de modelo, do Fernando Henrique, um pouco mais ortodoxo, para o modelo mais heterodoxo do PT. Esse modelo novo seguiu um pouco a linha do antigo para depois começar a implantar aquilo que lhe é caro ideologicamente e ter um tipo de socialismo keynesiano.

Os petistas têm admiração pela China. De fato, a China tirou centenas de milhões de pessoas da pobreza, é a segunda maior economia do mundo. Só que o modelo de lá é totalmente diferente.

Na China não tem greve, não é democracia. É um partido só. O povo chinês está disposto a trabalhar 14 horas por dia. Aqui, achamos que oito horas é muito. O Brasil quer adotar algumas coisas do modelo chinês e outras do americano. Não funciona.



O que mudou de 2002 para cá?
Surfamos uma onda de crescimento mundial, tiramos milhões da pobreza, gastamos mais do que podíamos para perpetuar o modelo socialista keynesiano.

Dilma chegou à Presidência simplesmente pela escolha de Lula. Imagino que Palocci e Dirceu eram candidatos antes do mensalão. Lula achou que o gestor eficiente, como era a imagem que se projetava da Dilma, seria adequado.

Mas a história dela é um pouco diferente da do Lula. Ele é um sindicalista, negocia com o setor patronal e entende um pouco do outro lado do balcão. Lula tem um talento político raro.



E se ele voltasse depois dela?
Voltar ou não voltar não é o caso. Eu acho que o modelo está errado. O Lula é esse modelo. É um pouco mais pragmático, mas é esse modelo.

Ele andou falando em baixar a taxa de juros.
Você não baixa juro por decreto. A Dilma fez isso. E deu no que deu. Economia tem lógica própria. Não se sujeita à vontade de um político ou outro. O mercado é soberano. Ele determina o sucesso ou o fracasso de uma economia.

Foram essas intervenções na economia que nos levaram à situação em que estamos?
Exatamente. Você não pode rasgar, decretar a inexistência das leis da economia. Você até pode baixar os juros. O Tombini baixou para 7,25% a pedido da Dilma. Agora está em 14,25% e vai subir mais.



A saída de Dilma é o caminho?
Impeachment é traumático. Pensam que se remove presidente do dia para a noite, mas não é tão simples. Não sou especialista, mas dizem que pode haver afastamento devido a pedaladas ou financiamento irregular de campanha. Essas coisas ocorreram no passado, mas nunca foi apurado. Os dois pontos são suficientemente graves? Essa primeira pergunta é técnica.

A segunda é política: ela tem condições de continuar governando sem levar o país ao caos? Quando o câmbio quase dobra em um ano, está instalado um grau de confusão grande.

Com ela na Presidência até 2018, como ficará o país? Se as coisas começam a se deteriorar no ritmo em que isso acontece desde janeiro, estamos em maus lençóis. Não é só uma questão técnica. É também política, sob o aspecto da governabilidade.



O sr. foi um dos primeiros empresários a apoiar o PT nos anos 1980. O que pensa hoje?
Naquele momento, eu era visceralmente contra a ditadura. Via na elite brasileira um atraso, sentia que ela precisava de uma chacoalhada. E acreditei que o PT seria um caminho. Eu acreditava que eles tinham uma ideologia, consistência. Eram o único partido que tinha plataforma.

Eu achei que um novo modelo tinha de ser instituído. Não percebi que esse novo modelo tinha um viés tão fortemente socialista. Acreditei quando o Lula disse que tem 300 picaretas no Congresso. Não imaginei que o "modus operandi" fosse universal.



Com Aécio Neves estaríamos em melhor situação?
É provável, porque o mercado o aceitaria melhor. E o Aécio perdeu por muito pouco. Se o PT não tivesse feito o marketing que a gente chama de "propaganda enganosa", o Aécio teria vencido.

Quem deve ser o próximo candidato do PT?
Fora o Lula, não há neste momento outro candidato, a meu ver. O andamento das questões que poderiam ou não envolver o ex-presidente Lula vai determinar se eles têm ainda fôlego para ressuscitar.

Mas fico lembrando do Fernando Collor, que foi afastado e voltou como senador. E o Paulo Maluf? Está aí. O eleitor tem memória curta.



O sr. acaba de se desfazer de um investimento histórico no país. Quer investir de novo?
Meu destino é no Brasil. Já enfrentei muitas crises aqui.

O país é muito maior que essa crise e que o governo. Governo é transitório. Quando as coisas vão de mal a pior, mudam o governo e a orientação política. Neste momento, precisamos fazer reformas estruturais: trabalhista, tributária, previdenciária, encolher o Estado, tornar o setor público mais eficiente.

Ou fazemos conscientemente ou o mercado determinará que o façamos. A Grécia é um bom exemplo. Não adianta essa ideologia socialista populista porque o modelo socialista populista, mais tempo menos tempo, começa a degringolar para um autoritarismo.

O modelo perfeito disso é a Venezuela, que, como o Brasil, tem recursos naturais enormes.



Pretende mesmo investir aqui? É teimosia ou resiliência?
Sempre há oportunidade. Tenho três setores em foco: educação, saúde e infraestrutura. A população está envelhecendo e não vai parar de crescer. Vai demandar saúde, educação, moradia. Precisa de infraestrutura. O Brasil não vai desaparecer.

O sr. pensa em atrair investidores estrangeiros?
É possível. Teremos caixa robusto. Eu te garanto: os investidores estrangeiros vão olhar risco e retorno. Os ativos no Brasil estão depreciados e vão se depreciar mais ainda.

É atrativo para o investidor entrar no Brasil com o dólar a R$ 4,22. O risco já é bem menor agora. Não que o risco de a situação piorar não exista. Existe. Mas boa parte já está precificada no câmbio.


Lawrence Pih é presidente do Grupo Pacífico. Graduado em filosofia pelo Lafayette College (EUA). Mestre em filosofia pelo Four-College PhD Program, pela University of Massachusetts. Escreveu o livro  "Réquiem para um Capitalismo em Agonia"