terça-feira, 3 de novembro de 2015

Cegos em tiroteio

Por Laura Carvalho.
FOLHA SP


Cegos no tiroteio
Diante da recessão de 3% do PIB projetada para 2015, começam a aparecer notícias de que o governo está estudando medidas de estímulo ao crédito ao consumidor. Essa expansão viria de uma redução pelo Banco Central das exigências de manutenção de capital próprio e reservas compulsórias pelos bancos, condicionada ao maior desembolso de crédito para consumo.

As medidas de estímulo e desestímulo ao crédito são mais um exemplo do zigue-zague da política econômica dos governos Dilma Rousseff, que tem se especializado também em errar o timing das decisões tomadas, sobretudo por ceder a pressões de quem só deseja desestabilizar seu governo ou ver atendidos seus interesses imediatistas.

Arte de GIL.DI


Após a eclosão da crise de 2008, ficou claro nos países avançados que o estímulo ao crédito jamais pode ser usado como compensação pela estagnação dos salários e pelo aprofundamento das desigualdades. Isso porque um endividamento maior sem crescimento da renda serve apenas para dar sobrevida ao consumo e alimentar bolhas financeiras, mostrando-se, mais cedo ou mais tarde, insustentável.

Os efeitos de utilizar o crédito como substituto dos salários ainda se fazem sentir nessas economias, que sofrem com os esforços de redução de consumo para o pagamento de dívidas acumuladas pelas famílias.

A expansão do crédito no Brasil nos anos 2000 felizmente não seguiu essa fórmula. As restrições no acesso ao crédito foram reduzidas justamente quando os salários cresciam, o nível de emprego subia e a desigualdade caía.

Arte de OLIVEIRA


As linhas de crédito consignado, por descontarem os pagamentos diretamente da folha de salários dos tomadores, preservam uma relação estrita com sua condição financeira.

Mesmo assim, quando a economia cresceu 7,6% em 2010, os temores de um possível superaquecimento da demanda levaram o governo a frear a expansão do crédito com medidas macroprudenciais restritivas sobre algumas linhas de financiamento. Tais medidas, quando somadas ao ajuste fiscal realizado em 2011 e ao impacto inflacionário da desvalorização cambial de 2011 e 2012, serviram para desacelerar o consumo.

Com o mercado interno minguado e o externo também, os empresários pararam de investir e o governo se dedica desde então a procurar novas fontes de crescimento nos lugares mais improváveis.

Arte de ANGELI


Tentou primeiro ressuscitar o investimento com desonerações fiscais custosas, só para se deparar com a realidade de que os empresários não compram novas máquinas quando não estão sequer produzindo e vendendo tudo aquilo que podem.

Neste ano o governo partiu para as oferendas aos empresários e ao mercado financeiro por meio do ajuste fiscal e das altas taxas de juros, apelando para motores ainda mais místicos do crescimento, sem notar que na verdade o enterrava.

Ao se deparar mais uma vez com a realidade, o governo estaria apostando agora na volta do crédito, em vez de tentar preservar salários e empregos. Se for verdade, a notícia preocupa mais por revelar o quão perdido está do que propriamente por seus desdobramentos.

Arte de MARIANO


Não que substituir renda por crédito não seja sempre perigoso, mas a dúvida é se tais medidas terão qualquer efeito em uma economia em que consumidores e bancos não têm nenhuma razão para arriscar.