domingo, 19 de julho de 2015

Um paralelo entre a Argentina e o Brasil

Por Amilton Aquino
Publicado na Revista Amálgama em 01AGO2014

A incrível decadência argentina e  suas lições para o Brasil
Existe uma piada que diz que o melhor negócio do mundo é comprar um argentino pelo que ele realmente vale e revendê-lo pelo que ele acha que vale. O pano de fundo desta piada é o orgulho argentino, conhecido em todo o mundo. É este mesmo orgulho que está na raiz da rivalidade entre Brasil e Argentina, algo que transcende o futebol.

Basta imaginar que até o início dos anos 50 a Argentina era a sexta maior economia do mundo, com uma população escolarizada, recursos naturais abundantes e uma indústria pungente que disputava de igual para igual até mesmo em setores de alta tecnologia, como o automotivo. E não se tratavam de apenas filiais estrangeiras. A Argentina tinha sua própria marca de automóveis (SIAM), além de várias outras de eletrodomésticos. A riqueza argentina era tamanha que o país, em 1920, chegou a ter reservas em ouro superiores ao decadente império britânico e ao emergente novo império norte-americano. Era praticamente um “europeu” latino americano. Não por acaso, o país tornou-se o destino preferido de milhões de refugiados das duas guerras mundiais, inclusive de carrascos nazistas acolhidos por Perón. 




Meio século depois, a Argentina não passa de mais um problemático país latino-americano, com as conhecidas mazelas que afligem o continente, como favelas, violência crescente, inflação galopante, analfabetismo, doenças epidêmicas entre outros. A decadência da Argentina é tão evidente que o país virou um case internacional, citado como exemplo raro de país que “involuiu” nas últimas décadas.

Uma rápida comparação com o Brasil dá uma ideia da decadência dos nossos hermanos. A economia, que até o final dos anos 40 era maior que a nossa, hoje é menor que a economia do estado de São Paulo. Agora imagine-se na pele de um argentino que viveu este apogeu, ver o país hoje em mais uma moratória, com uma inflação de 40%, e dependente da economia brasileira.

Peron e Evita, em 1951


Mas afinal, o que causou toda esta decadência? Como a Argentina conseguiu empobrecer justamente no momento em que tantos países antes miseráveis ascenderam econômica e socialmente, a ponto de alguns integrarem hoje o clube dos ricos?

A Argentina é vítima do que Hayek chamou de “caminho da servidão”, um processo lento e gradual de coletivização, aumento do intervencionismo estatal e polarização da sociedade.

O início de tal processo tem uma data: 04/06/1946, dia da chegada de Perón ao poder. O simpatizante de Hitler e Mussolini iniciou uma tradição populista na Argentina que dura até os dias de hoje. A exemplo de Getúlio Vargas no Brasil, que instituiu os direitos trabalhistas inspirados na Carta del Lavoro de Mussolini e se tornou o “pai dos pobres”, Perón dividiu a Argentina entre seus apoiadores (o bem, o povão, os “trabalhadores”) e seus adversários (o mal, os “exploradores capitalistas”, a velha “elite colonial” ).



E como sempre acontece nestes casos, os discursos inflamados do “pai dos pobres” conquistaram os eleitores da base da pirâmide. Começou então uma simbiose entre a nova elite governante trabalhista/socializante, que precisa dos votos da massa para continuar oferecendo-lhes novas “conquistas”, e a massa, que descobre o poder do voto e passa a endeusar seus ídolos.

A conquista da hegemonia da opinião publica passa a moldar também os políticos. Com medo se colocarem “contra os pobres”, até mesmo políticos da antiga aristocracia migraram para a base do governo peronista. Aos poucos, a oposição foi minguando, ao mesmo tempo em que a Argentina transformava-se numa república sindicalista.

"Os peronistas são pessoas que se fazem passar
 por peronistas para levar vantagens".


E mais uma vez, como sempre acontece, no começo tudo é festa. Aumento do salário mínimo acima da inflação, aumento do crédito, crescimento recorde, nacionalização de multinacionais, grandes obras, políticas de transferência de renda e tudo o mais que já nos é bem familiar.

Mas todo crescimento artificial tem um preço. A fatura vem com o tempo, e com ela os efeitos negativos decorrentes do intervencionismo governamental. Ao final do primeiro mandato de Perón, a Argentina já dava claros sinais de crise, com as exportações caindo pela metade, reservas se esvaindo e aproximando a balança comercial de um déficit histórico, uma vez que até então o país tinha sempre grandes superávits. Apesar de todos estes sinais, o caudilho conseguiu mudar a legislação que lhe deu mais cinco anos de mandato.



O segundo mandato foi ainda pior, abrindo espaço para o primeiro de uma sequencia de golpes militares só interrompido nos anos 70 com um breve período de redemocratização onde, novamente, o peronismo voltou ao poder. Em pouco mais de um ano de governo, Perón multiplicou a inflação, que chegou a 74% em 1974. Dois anos depois, chegaria à casa dos 954% !

Para completar a tragédia, Perón morreu em pleno mandato, o que o elevou ainda mais à categoria de mito. Sua terceira mulher, “Isabelita”, assumiu então o governo e continuou seu projeto populista, afundando ainda mais a economia argentina.





Como de praxe na América Latina, os militares estão sempre prontos para um novo golpe. Foi o que aconteceu em 1976 na Argentina, quando teve início um dos regimes mais truculentos da história do continente.

A esta altura, além de Perón e Evita, a segunda esposa que quase vira santa, a Argentina já tinha um novo mito para cultuar: Che Guevara. Agora, além dos adversários peronistas, os desastrados militares tinham também como novos inimigos os diversos movimentos de esquerda que se organizavam em toda a América Latina e que tentavam chegar ao poder pela via armada. 



Paralelamente, a exemplo do que aconteceu no Brasil e em todo mundo, o marxismo cultural passou a dominar os meios acadêmicos e culturais, avançando gradativamente por todas as demais áreas estratégicas para a construção da “nova mentalidade” gramisciana.

No campo econômico, o segundo período militar argentino herdou a época do choque do petróleo que culminou com o aumento expressivo dos juros em 1982, os quais elevaram substancialmente as dívidas dos países do terceiro mundo. A nova redemocratização veio em 1983 com Raul Alfonsín que, a exemplo de Sarney no Brasil, fracassou redondamente no combate à inflação.

A nova esperança surgia na figura populista de um novo peronista, Carlos Menem, em 1989. Os tempos agora eram outros. Não havia mais espaço para novas “conquistas trabalhistas” como no passado. A grave crise dos anos 90 levou Menem a ser pragmático, aderindo ao Consenso de Washington, a odiada “cartilha neoliberal”.


Suas raízes populistas peronistas, no entanto, não lhe permitiram executar bem as dez recomendações do Consenso de Washington. Apesar disso, Menem passou a ser apontado pelos esquerdistas como o maior exemplo de fracasso das políticas “neoliberais”. O seu principal erro foi ignorar a diretriz 5, que recomendava o câmbio flutuante. Ao invés disso, ele dolarizou a economia, instituindo a paridade entre o peso e o dólar. Como previsto por diversos economistas, ao longo dos anos a situação foi se agravando paulatinamente, a ponto de o país quebrar duas vezes em um intervalo de quatro anos.

Em meio a mais profunda crise, que culminou com mais uma moratória em 2002, eis que surge um novo salvador da pátria, também peronista: Néstor Kirchner. Assim como no Brasil, quando Lula assumiu justamente no início do ciclo de maior crescimento do capitalismo desde o final da II Guerra Mundial, Kirchner contou com o aumento expressivo das receitas decorrentes do aumento dos preços dos seus principais produtos de exportação.


O presidente surfou na onda da globalização chinesa, esquecendo, no entanto, de fazer reformas estruturais para tornar o crescimento sustentável nos próximos anos. Terminado o período do boom de crescimento global, as mazelas da economia argentina começaram a reaparecer. O governo dos Kirchner, que começou com um calote da dívida externa, vai terminar da mesma forma – novo calote, mais inflação galopante.




A história se repete. A Argentina não aprende com os próprios erros, tornando-se cada vez mais refém da mentalidade populista que asfixia a economia e produz políticos mais interessados no poder do que realmente resolver os profundos problemas do país. Qualquer semelhança com nosso cenário não é mera coincidência.