domingo, 12 de julho de 2015

Um negro sobrevivente do nazismo.

Curiosidades em Guerra


XXVI - Um alemão negro em pleno nazismo


"Mamãe, eu não sou ariano?" - perguntou o pequeno Hans, um pretinho de oito anos, a sua mãe Berta depois que foi proibido de brincar com as outras crianças na escola


Hans Jürgen Massaquoi nasceu em 19 de janeiro de 1926 em Hamburgo, filho de mãe alemã e pai liberiano. Tinha seis anos quando Hitler chegou ao poder. O pai de Hans era filho do cônsul da Libéria na Alemanha. Sua mãe, Berta, era uma enfermeira alemã de classe média baixa. O rico filho do diplomata africano encaprichou-se pela bela jovem ao vê-la em uma festa, e dessa relação nasceu o pequeno Hans.


Hans Massaquoi com a insígnia nazista

Seu pai nunca se preocupou muito por ele e nunca lhe deu muita atenção, já que nessa época era um estudante universitário em Dublin. Mas seu refinado avô, o primeiro diplomata africano na Europa, o acolheu em seu palacete de Hamburgo junto a seus tios e primos africanos. O patriarca se orgulhava de ter um neto alemão que falava o idioma local com perfeição.

"Eu associava a pele negra com superioridade, porque nossos serventes eram brancos" - dizia Hanz.
 
Seu avô paterno quando era Momulu IV rei dos Vai,
uma etnia liberiana
 
Seu destino mudou drasticamente quando o Führer assumiu o poder e expulsou os diplomatas africanos da Alemanha. Todo o clã Massaquoi regressou a seu país, Libéria, mas Berta, a mãe de Hans decidiu ficar em sua pátria, porque o menino era doente e temia que viajando à África poderia morrer já que naquela época - e até hoje em dia- era um continente assolado pela malária. Praticamente sozinha, retomou seu trabalho de enfermeira e mudou-se com seu filho a uma zona operária de Hamburgo.

"Eu, que tinha aprendido a ver vantagens em meus traços raciais, de repente me vi obrigado a considerá-los um inconveniente".

No início, nem ele nem sua mãe consideraram como uma ameaça à ascensão do nazismo. Era algo que não os preocupava, afinal eles eram alemães.

"Assim como toda criança, eu estava fascinado pela parafernália nazista. Os uniformes, as bandeiras e os desfiles me deixavam encantado. Para mim, para meus colegas, Hitler estava envolvido nessa auréola divina que lhe protegia de qualquer crítica".
 
 
As coisas foram mudando pouco a pouco. Primeiro foram os letreiros nos balanços que proibiam as crianças não-arianas de brincar. Depois, um misterioso e contínuo desaparecimento de seus professores que eram judeus. Depois sua mãe foi despedida de seu trabalho "por ter concebido o filho de um africano".

"Uma vez que as absurdas leis raciais entraram em vigor, ficou claro que minha vida ia se tornar muito difícil. Mas o amor e a proteção de minha mãe me deram a sustentação necessária".

Em seu livro autobiográfico, Hans conta com detalhes as tentativas que fez para ser considerado um alemão a mais. A cada vez que era recusado reagia negando o evidente, e esta situação lhe levaria ao absurdo de querer fazer parte das Hitlerjugend, a Juventude Hitletista, uma mistura de "boy scouts" e organização paramilitar.
 
junto com sua mãe
 
No dia que descobriu que lhe negaram a entrada exclusivamente por sua cor de pele, Hans abriu os olhos e começou a entender do que se tratava o nazismo.


A partir daquele momento eliminou a necessidade de ser aceito pelos nazistas e libertou-se da dependência de Hitler como onipotente figura paternal dos jovens.


Ao começar a guerra, apesar de ser "indigno de usar o uniforme alemão", esteve a ponto de se alistar no exército. Só não foi para a frente de batalha por sua falta de importância, o que aumentou seus problemas emocionais, já que sendo um homem jovem e sadio se envergonhava por não estar combatendo junto a seus compatriotas.

Massaquoi tinha uma teoria para explicar por que ele evitou a deportação para campos de concentração. 

" Ao contrário dos judeus, os negros eram tao poucos em números que eles foram relegados ao status de baixa prioridade para serem exterminados".

Enquanto trabalhava em uma fábrica de munição, Hans observou como a maquinaria de guerra alemã começou a vir abaixo. Em 1943, os aliados, com a Operação Gomorra, bombardearam intensamente Hamburgo durante dez dias, até deixar a cidade em escombros, onde morreram mais de 40 mil pessoas.
 
Hamburgo destruída após a Operação Gomorra
 em julho de 1943
 
Hans estava tão deprimido que não fazia diferença morrer nas mãos da Gestapo ou do bombardeio aliado. De toda forma, a presença da Gestapo incomodou-o por muito tempo ainda e teve que conviver sob a constante ameaça de sua presença e interrogatórios.
 
Desprezado por todos, era considerado um cidadão de segunda classe, a tal ponto que em um dia uma multidão quis linchá-lo achando que era um piloto aliado.

O fim da guerra com a tomada de Hamburgo pelos britânicos significou também uma nova vida para Hans. Pela primeira vez em sua vida não sentia medo. O medo de ser humilhado, ridiculizado, degradado, a ver-se privado de sua dignidade.
 
Hans servindo na Guerra da Coréia para os EUA
 
Após o colapso da Alemanha no final da guerra, ele tocou saxofone em clubes que atendiam à Marinha Mercante americana e trabalhou como tradutor para as forças de ocupação britânicas.

Posteriormente, ele deixou a Alemanha, primeiro para a Libéria, terra de seu pai, antes de se mudar para Chicago com um visto de estudante para freqüentar uma escola de mecânicos de aviação. Ele foi convocado para o Exército dos EUA em 1951 e serviu por dois anos aos EUA durante a Guerra da Coréia. 

 
 

Depois disso, ele se tornou um cidadão americano, e graças aos benefícios dos veteranos de guerra ingressou na Universidade de Illinois, onde estudou jornalismo iniciando uma carreira à qual dedicou mais de quatro décadas vindo a se aposentar quando era diretor da famosa revista Ebony, destinada a leitores afro-americanos.

 
Hanz ao lado da atriz Veronica Ferres
que faz o papel de sua mãe  no filme para a TV
 Neger, Neger, Schornsteinfeger (2006)
 baseado em sua biografia.
 
Ao final e apesar de tudo há de se considerar que o destino resultou bastante benevolente com Hans Massaquoi. Olhando para o passado e recordando o horror também sofrido por outras inocentes etnias, ele pelo menos sobreviveu para contar a sua história.

Hans Massaquoi veio a falecer em 19 de janeiro de 2013 quando completou 87 anos.

Fonte  Metamorfose Digital / Los Angeles Times

*Postado primeiramente em 15/11/2009 [509]