quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Cabrais: das caravelas ao helicoptero... e a Bahia no meio!

Por André Carvalho (*)
Em 04 de agosto de 2011
 
 
 DE PEDRO A SÉRGIO, UM RECORTE NA HISTÓRIA DOS “CABRAIS”.
A história é cíclica, sabe-se, mas circunstancia-se ao tempo e lugar, ao desenvolvimento tecnológico, às mudanças culturais e às idiossincrasias de seus personagens. Em sendo assim, até parece nada haver de cíclico exceto quando dois “Cabrais” entram em cena, guardadas, evidentemente, as particularidades supraditas e outras tantas que me fogem ao raciocínio.

Há quinhentos e onze anos, um Cabral português, doravante também chamado de Pedro ou Pedro Álvares, financiado por um império ultramarinho regido por D. Manoel a quem representava, servia e rastejava, veio de muito longe embarcado numa “tosca” caravela, para, sem querer e após uma calmaria atlântica, aportar abaixo da linha do equador, onde, garante Chico Buarque de Hollanda, não existe pecado. Pedro Álvares e sua comitiva desembarcaram numa praia ao sul do hoje denominado Estado da Bahia.

Poderoso, apesar de faminto, cercado por um séquito de “compadres” alquebrados porém trajados como nunca dantes visto por ali, Cabral engabelou os nativos nuelos com presentes baratos e salamaleques europeus tomando–lhes, rapidamente, tudo o que possuíam inclusive as mulheres. À resultante deste episódio, chamamos Brasil.

Passados os primeiros momentos de desconfiança com o desembarque dos forasteiros a praia virou uma grande festa com a celebração de uma missa católica, rezada numa língua diferente e engraçada, a qual, nossos antepassados, nativos desse tal de Brasil, não compreendiam. Também não havia por que compreender coisa alguma, se estavam todos, ao largo do altar e dos ritos, lugar e forma reservadas aos letrados e espertos e não aos silvícolas “animalescos” de antes nem aos cidadãos comuns de agora mormente os alfabetizados nas escolas públicas.

Quinhentos e onze anos depois, outro Cabral, doravante referenciado também por Sérgio, carioca de nascimento, mas com tez e neurônios do tipo lusitano, surgiu por aquelas mesmas bandas vindo não de tão longe assim, mas igualmente embarcado, agora numa aeronave movida por turbinas que a elevam à condição de jato. O aparelho que transportou Sérgio, tal e qual a caravela de Pedro, é propriedade de outro império ultramarino, cujo soberano chama-se Eike Batista e que não existiriam – ele e seu império – se o Cabral das caravelas houvesse sido expulso daquela belíssima praia, meio milênio atrás, por nossos antigos compatriotas. Ainda não sabemos, ao certo, se o Cabral carioca representa, serve ou rasteja o soberano Batista. Falta-nos a luma, desculpe, o lume.

Ao desembarcar, o Cabral contemporâneo não foi a nenhuma missa, nem festa alguma aconteceu no local porque o seu destino, final e secreto, era um rega-bofe patrocinado por outro poderoso, que aqui também não viveria se nossos antepassados silvícolas – sempre eles, coitados – houvessem expulsado os forasteiros capitaneados pelo Cabral de antanho.

Vejam como uma coisa puxa a outra e surgem correlatividades, não é mesmo? O primeiro dos “Cabrais”, o Pedro, foi com sua patuléia, das caravelas à praia, a bordo de pequenos botes enquanto que o segundo Cabral, o Sérgio, iria com sua patota, da aeronave ao rega-bofe, num pequeno helicóptero que, visto sob o prisma do caráter cíclico tecnológico da história, nada mais é do que o correspondente ao velho e pequeno bote de mil e quinhentos d.C..

Devo registrar a bem da verdade que, em função da evolução cultural e das idiossincrasias dos personagens, algo difere, totalmente, a patuléia de Pedro da patota do Sérgio: as roupas. Lá, muitas, aqui pouquíssimas. Ainda no interesse histórico da preservação da verdade devo admitir que, chegando ao sul da Bahia, a patota do Sérgio não tomou de assalto as mulheres nativas, agora razoavelmente vestidas. Eles, os cariocas poderosos, trouxeram suas próprias mulheres, seminuas e não necessariamente legítimas.

Para desespero de tantos e alegria de alguns, o helicóptero/bote enfrentou um vendaval inverso à calmaria de 1500, caindo e afundando no mar, assim como afundaram, dizem os maldosos espanhóis, vários botes da caravana marítima portuguesa. Uma pena! Namoradas legítimas e companheiras ilegítimas compuseram o rol das vítimas fatais do desastre aéreo. Dos botes afundados no século dezesseis não se tem aferição dos desaparecidos, apenas dos estragos causados, pelos sobreviventes, nessa terra chamada Brasil.

Após as ocorrências mais recentes soube-se que a esposa do Cabral vivente pediu divórcio. Não sei como agiu a mulher do homônimo, àquela época. Sinal dos tempos e das mudanças culturais. Ou, não somente isso.


(*) André Carvalho não é jornalista, é "apenas" um cidadão que observa as coisas do dia-a-dia. Um free lancer. Ou segundo sua própria definição: um escrevinhador. Seus sempre saborosos textos circulam pela web via e-mails.