quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Escrito por Millor Fernandes, para a Revista Veja

* este brilhante texto é a primeira parte do artigo do Millor, quem quiser ler completo, clique aqui

Duas notas
Primeira
Burocracia, esse sistema de poder estatal, fascista por princípio, nazista na execução, decidiu, aqui no Rio, que o cidadão que não bebe deve ser punido por causa do cidadão que bebe. Quer dizer, eu, que bebo pouco, só o que comporto, vou ser punido pelo Jaguar (Confesso que Bebi), apologista da vinhaça, do raposear, da libação, da borracheira, da carraspana, enfim, da boca líquida – eia, Baco!
E pois, deram os burocratas ao guardinha da esquina, semi-alfabetizado pela educação (se os universitários e os formadores de opinião são o que são, imagina o guarda), fraco pela desnutrição, ideologizado pela corrupção lá de cima ("Ilegal, e daí?"), deram a ele poder de fogo absoluto. Um bafômetro (coisa nojenta no nome e na prática) e otoridade para deter qualquer automobilista, qualquer um, aquilo que os franceses chamam de todo mundo e seu pai. E tomar, do que se recusar a pagar a pequena multa de novecentos e quarenta e cinco reais e perder a carteira, se não tiver 100 trocados.
Pois, humano como qualquer Cacciola, o guardinha vai preferir resolver o negócio in loco. E não esperem eu dizer que nem todo guarda leva o seu, que há exceções, como escrevem, precavidamente, meus colegas de profissão – entre os quais também há exceções. Na minha precária experiência ninguém é honesto às 3 da manhã ganhando pouco e podendo muito.
Ah, e repito: tenho imenso desagrado por slogans como essa tolerância zero, que na verdade quer dizer intolerância 100. Como tenho pelo constante lulismo semi-árido, que, sem demagogia, é um fértil semi-úmido.
Então estamos assim: sou médico, tomei duas taças de vinho com uns amigos, e mesmo se não tomei, posso ser detido na esquina pra que me testem e eu me explique enquanto, à minha espera, um cara inteiramente sóbrio morre do coração.
E paro por aqui, deixando uma sujestão. Por que apenas não proibir os carros de, entre as 11 da noite e as 5 da manhã, andar a mais de 50 quilômetros?
Fora dessas horas não tenho notícia de bêbado dirigindo adoidado. E nessas horas há pouco tráfego. Limitado a 50 quilômetros o cidadão não se sentirá cerceado. Estará indo mais depressa do que na "hora do movimento". E atravessará a cidade em meia hora.
Mas, e onde é que fica o poder do "estado"?