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terça-feira, 22 de setembro de 2015

Delfim Netto: "Dilma é uma trapalhona"


Entrevista do ESTADÃO com Delfim Netto

Charges de ROQUE SPONHOLZ

A Dilma é simplesmente uma trapalhona
O ex-ministro, ex-deputado e afiadíssimo economista Delfim Netto, 87 anos, 24 deles no Congresso, como deputado, desfia uma série de adjetivos demolidores contra o pacote fiscal do governo e é implacável com a presidente Dilma Rousseff: “Ela é simplesmente uma trapalhona”.



Em entrevista ao Estado, Delfim classificou o envio de um Orçamento com déficit ao Congresso como “a maior barbeiragem política e econômica da história recente do Brasil” e disse que o pacote é “uma fraude, um truque, uma decepção, não tem corte nenhum, é uma cobra que mordeu o rabo”.

Quanto ao coração do plano: “A CPMF é um imposto cumulativo, regressivo, inflacionário, tem efeito negativo sobre o crescimento e quem paga é o pobre”. A seguir, os principais trechos da entrevista.



ESTADÃO - Como o sr. vê a situação hoje?
Com muita preocupação. As pessoas sabem que a presidente é uma mulher com espírito muito forte, com vontades muito duras, e ela nunca explicou porque ela deu aquela conversão na estrada de Damasco. Ela deveria ter ido à televisão, já no primeiro momento, e dizer: “Errei. Achei que o modelo que nós tínhamos ia dar certo e não deu”. Mas, não. Ela mudou sem avisar e sem explicar nada para ninguém. Como confiar?

Como define a conversão na estrada de Damasco?
Ela mudou um programa econômico extremamente defeituoso, que foi usado para se reeleger. Em 2011, a Dilma fez um ajuste importante, aprovou a previdência do funcionalismo público, o PIB cresceu praticamente no nível do Lula. Mas o vento que era de cauda e que ajudou muito o Lula tinha mudado e virado um vento de frente.



Os ventos internacionais?
Sim. Então, ela foi confrontada em 2012 com essa mudança e com a expectativa de que a inflação ia aumentar e o crescimento ia diminuir e ela alterou tudo. Passou para uma política voluntarista, intervencionista, foi pondo a mão numa coisa, noutra, noutra, noutra... Aquilo tudo foi minando a confiança do mundo empresarial e, de 2012 a 2014, o crescimento vai diminuindo, murchando. 



E o uso na reeleição?
A tragédia, na verdade, foi 2014, porque ela usou um axioma da política, que diz que ‘o primeiro dever do poder é continuar poder’. No momento em que ela assumiu isso, ela passou a insistir nos seus equívocos. Aliás, contra o seu ministro da Fazenda, o Guido Mantega, que tinha preparado a mudança, tanto que as primeiras medidas anunciadas pelo Joaquim Levy já estavam prontas, tinham sido feitas pelo Guido.

Então, o sr. discorda da versão corrente de que a culpa foi do Mantega?
O Guido não tem culpa nenhuma. E, para falar a verdade, nenhum ministro da Fazenda da Dilma tem culpa nenhuma, porque o ministro da Fazenda é a Dilma, é ela. E o custo da eleição é o grande desequilíbrio de 2014. 



Qual o papel do Levy?
Como a credibilidade do governo é muito baixa, o ajuste que ele fez encontrou muitas dificuldades, não teve sucesso porque não foi possível dizer que o ajuste era simplesmente uma ponte.

A presidente não vive dizendo que é só uma travessia?
Travessia sem ponte? 

E o pacote fiscal?
O primeiro equívoco mortal foi encaminhar para o Congresso uma proposta de Orçamento com déficit. Foi a maior barbeiragem política e econômica da história recente do Brasil. A interpretação do mercado foi a seguinte: o governo jogou a toalha, abriu mão de sua responsabilidade, é impotente, então, seja o que Deus quiser, o Congresso que se vire aí. 



A briga interna do governo não é um complicador?
A briga interna ocorre em qualquer governo, mas o presidente tem de ter uma coisa muito clara: ele opta por um e manda o outro embora. Um governo não pode ter dentro de si essas contradições, senão vira um Frankenstein.

Quem tem de sair, o Levy, o Nelson Barbosa ou o Aloizio Mercadante?
Quem tem de sair é problema da Dilma, mas quem assessorou isso do Orçamento com déficit levou o governo a uma decisão extremamente perigosa e desmoralizadora e isso produziu um efeito devastador. 



De tudo o que o sr. diz, conclui-se que o ponto central da crise é que Dilma é uma presidente fraca?
Ela tem uma visão do Brasil que não coincide com o Brasil.

Por que o sr. defendia o aumento da Cide, não a recriação da CPMF?
O aumento da Cide seria infinitamente melhor. CPMF é um imposto cumulativo, regressivo, inflacionário, tem efeito negativo sobre o crescimento e quem paga é o pobre mesmo. Ele está sendo usado porque o programa do governo é uma fraude, um truque, uma decepção – não tem corte nenhum, só substituição de uma despesa por outra e o que parece corte é verba cortada do outro. Dizem que vão usar a verba do sistema S. Ora, meu Deus do céu! R$ 1 no sistema S produz infinitamente mais do que R$ 1 na mão do governo. Alguém duvida de que o governo é ineficiente? 

A presidente Dilma...
Acho que não, nem ela. Ela sabe disso, só não tira proveito.



E a Cide?
A CPMF é coisa do século 19, a Cide é do século 21, porque você corta consumo de combustível fóssil, reduz emissão de CO2 e vai salvar um setor que você destruiu, o sucroalcooleiro. Tem 80 empresas quebrando por conta dos erros da política econômica. Na hora que você fizer isso, toda essa indústria renasce. 

Quais as chances de o pacote passar?
Eles vão ter de negociar com a CUT e com o PT, que é o verdadeiro sindicato do funcionalismo público. Então, é quase inconcebível e vai ter uma greve geral que vai reduzir ainda mais a receita. É uma cobra que mordeu o rabo. O aumento de imposto é 55% do programa; o corte, se você acreditar que há corte, é de 19%; e a substituição interna representa 26%. Ou seja, para cada real que o governo finge que vai economizar com salários, ele quer receber R$ 3 com as transferências e o aumento de imposto. No fundo, o esforço é nulo.



O sr. diz que os grandes problemas começam em 2014, mas muitos analistas respeitados dizem que começam antes. Qual a responsabilidade do governo Lula?
Até 2011, o vento de cauda era de tal ordem, a entrada da China foi de tal ordem, que dava a sensação de que você tinha entrado no paraíso e o Lula aproveitou bem para um crescimento mais inclusivo, mais equânime. Depois, eu estou convencido de que foi a intervenção extravagante, extraordinária, exagerada no sistema econômico que gerou tudo isso. Mexeu na eletricidade, mexeu nos portos, foi criando um estado de confusão que matou o “espírito animal” dos empresários, com uma queda dramática do nível de investimento e do nível de crescimento. 

A diferença é que o Lula nunca fez questão de ser de esquerda, mas a Dilma, que vem do velho PDT brizolista, nacionalista e estatizante, tem esse compromisso?
O Lula é um pragmático, uma inteligência extraordinária. Já a Dilma tem, sim, o velho problema do engenheiro, o engenheiro Brizola, que por onde passou destruiu tudo, destruiu de tal jeito o Rio Grande do Sul que ninguém mais salva. Ela tem uma ideia intervencionista, realmente não acredita no sistema de preços. Veja essa escolha dela no pré-sal, é inteiramente arbitrária. Foi dar para a Petrobrás uma tarefa muito acima do que ela é capaz. Nada mais infantil no Brasil do que a sua esquerda, facilmente manobrável.



Quem é a esquerda no Brasil hoje?
No Brasil de hoje, esquerda e direita são sinais de trânsito. O fato é que a Dilma é uma intervencionista e foi a crença de que ela não mudou, e de que a escolha do Joaquim foi simplesmente um expediente para superar uma dificuldade, que não deu credibilidade ao plano de ajuste.

Além de perder credibilidade junto aos empresários, a presidente também está perdendo apoios na base social do PT.
Como ela não explicou que errou e por que iria mudar a política econômica, o 1/3 que votou nela se sentiu traído de verdade e o 1/3 que votou contra ela disse: ‘Viu? Eu não disse?”. Sobraram para ela só 8%.



Em quem o sr. votou?
Na Dilma. Mas acho que o Aécio era perfeitamente “servível”. Teria as mesmas dificuldades que a Dilma enfrenta, porque consertar esse negócio que está aí não é uma coisa simples para ninguém, mas ele entraria com uma outra concepção de mundo, faria um ajuste com muito menos custo e a recuperação do crescimento teria sido muito mais rápida.

Se a presidente está com 8% de popularidade, pior até que o Collor, o impeachment seria uma solução?
Se houver algum desvio de conduta materialmente provado, o impeachment é um recurso natural dentro da Constituição. Então, não há nenhuma quebra de institucionalidade, não tem nenhum problema. Agora, o Brasil não é nenhuma pastelaria e não é nenhuma passeata cívica de verde e amarelo nem panelaço que decide se vai ter ou não impeachment. Não há recall de presidentes. A sociedade votou, que pague os seus erros para aprender e volte em 2018. Está em segunda época, volte em 2018 para fazer nova prova.



Então, o sr. não votaria na Dilma novamente em 2018, se ela pudesse ser candidata?
Não, primeiro porque ela não pode ser candidata. É preciso dizer que eu acho a Dilma absolutamente honesta, com absoluta honestidade de propósito, e que ela é simplesmente uma trapalhona.

Numa eventualidade, o vice Temer seria adequado para a Presidência como foi o Itamar Franco?
Acho que sim. Nós somos muito amigos. O Temer tem qualidades, é uma pessoa extraordinária, um gentleman e um sujeito ponderado, tem tudo, mas eu refugo essa hipótese enquanto não houver provas, e vou te dizer: ele também.

*Entrevista publicada em 19SET2015

quinta-feira, 3 de setembro de 2015

Assustador primitivismo político

Por Antonio Delfin Netto
Publicado no Valor Econômico em 02SET2015


Assustador primitivismo político
Com os números das Contas Nacionais Trimestrais publicados no dia 28/8, o quinquênio da presidente Dilma Rousseff vai provavelmente encerrar-se com um medíocre crescimento total do PIB da ordem de 6%, ou seja, qualquer coisa como 1,2% ao ano. Compara-se muito mal com o crescimento da economia mundial no mesmo período, que foi cerca de 19%.

Arte de SID

Se considerarmos que o crescimento da população brasileira no período foi de 0,9% ao ano, o crescimento per capita da nossa renda terá sido de apenas 0,3% ao ano. Isso nos afastou dramaticamente do crescimento das economias emergentes neste tumultuado quinquênio da economia mundial que, de alguma forma, reverbera sobre todas elas.

Mesmo antes da posse do segundo mandato era visível a necessidade de um profundo “ajuste fiscal estrutural”. Em 2014, o déficit fiscal dobrou (6,2% do PIB contra 3,1% em 2013) e o superávit primário virou um déficit primário de 0,6% do PIB. Disso resultou um aumento de 6% na relação dívida bruta/PIB, além de dúvidas sobre a sua sustentabilidade, com todas as suas consequências devastadoras. A presidente reeleita reconheceu, intimamente, tal fato e selecionou um competente ministro para fazê-lo. Por que, então, não funcionou?

Arte de CAZO


A resposta é de múltipla escolha. Temos a impressão que foi um conjunto de fatores previsíveis, mas não considerados, que geraram o sentimento, hoje generalizado na sociedade brasileira, que, por mais honesto e bem intencionado que tenha sido o esforço de Dilma, ela conduziu o país a um impasse social, econômico e político.

1) A falta de reconhecimento imediato e explícito da presidente de que subestimara sistematicamente os inconvenientes: 
a) do seu excesso de voluntarismo; 
b) das tentativas de violar as identidades da contabilidade nacional;
c) da recusa de usar o sistema de preços na legítima busca da “modicidade tarifária” à custa de leilões mal feitos, das inevitáveis reestruturações contratuais e da garantia de financiamento público; 
d) do abuso do direito da maioria nas empresas estatais à custa da violação do direito da minoria e, finalmente, 
e) da tragédia do controle de preços, particularmente da taxa de câmbio, para o ilusório controle da inflação.

Arte de ?


Mas por que esse reconhecimento era imprescindível? Porque só ele poderia racionalizar a mudança de 180 graus da política econômica que Dilma fez com coragem e a honesta intenção de voltar a produzir o crescimento social e econômico inclusivo e equânime. Quem precisa convencer a sociedade que mudou o seu entendimento sobre a política 
econômica não é o ministro “sombra” da Fazenda, mas o titular verdadeiro, isto é, a própria presidente. Essa era a condição necessária (ainda que não suficiente) para criar as condições mínimas de credibilidade da nova administração, que foi legitimamente eleita, gostem ou não seus opositores.

Arte de AROEIRA



2) Houve uma evidente subestimação do que precisava ser feito e da complexidade da tarefa, porque a condição necessária sugerida no parágrafo anterior nunca foi criada. Era clara a sinalização que, sem uma profunda mudança da confiança dos empresários – o que talvez fosse possível com um bem racionalizado “mea culpa”, que não veio -, o aumento do nível de investimento (a Formação Bruta de Capital Fixo, que era negativa desde o terceiro trimestre de 2014) não aconteceria, como de fato, não aconteceu. É isso que revela a dramática queda do PIB (2,1%) entre o 2º trimestre de 2015 e o seu homônimo de 2014, o que tornou crível um encolhimento de 2,4% do PIB em 2015. E pior, lança uma dúvida muito séria sobre o crescimento de 2016.

3) Criou-se, assim, a condição suficiente para que, se não tomarmos as medidas necessárias para subordinar as despesas ordinárias correntes do governo (que dependem de vinculações e indexações que destroem a flexibilidade da administração) à receita ordinária corrente (que depende, basicamente, do crescimento real do PIB), caminharemos para o mesmo desconforto fiscal que, lentamente, foi a causa eficiente da nossa hiperinflação no passado não distante.


Arte de CLAYTON

Para o cidadão comum, a solução é rudimentar: ou se reduz a despesa, ou se aumenta a receita, ou talvez melhor (com garantias adequadas) se faz um pouco das duas coisas. Para os pensadores mais profundos, sempre há uma saída na mística da “suficiente vontade política”, que é capaz de fazer, dialeticamente, 2+2=6! É evidente que devemos estar abertos para todas as soluções possíveis e escrutinar todas elas, mas só tomar uma decisão quando existir um razoável grau de consenso dentro da base política do governo. Francamente, é difícil acreditar que a tumultuada proposta de recriação da CPMF não tenha sido aprovada pela presidente. Retirá-la na calada da noite exibiu um primitivismo político assustador.

Mais grave: ajudou a revelar – pela insólita repulsa universal – que a cidadania empoderada não tem mais a menor disposição de dar ao governo seu voto de confiança. Lembremos, de novo, que a situação fiscal é dramática e muito, muito, muito delicada! Cada passo mal pensado e mal combinado que termine em mais uma frustração, pode ser, afinal, o precipício…

Arte de ZAPPA


*Antonio Delfim Netto é economista e professor. Formou-se, em 1951, pela Faculdade de Economia e Administração (FEA) da Universidade de São Paulo (USP). Foi secretário de Finanças de São Paulo, ministro da Fazenda, ministro da Agricultura; ministro-chefe da Secretaria de Planejamento da Presidência da República e embaixador do Brasil na França. Participou da elaboração da Constituição de 1988. É professor-emérito da FEA e sua área de especialidade é economia brasileira.

quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Delfim Netto e o Governo Dilma

Por Delfim Netto.
FOLHA SP em 26AGO


Consequências
O nível generalizado de desconfiança que dissolveu instantaneamente a relação de simpatia entre a sociedade e o governo Dilma, foi a descoberta que todo o custoso marketing feito durante a campanha eleitoral era apenas um nevoeiro para esconder uma triste realidade.


Arte de SID


A decepção se apossou dos seus eleitores, um pouco mais de um terço do total, ainda que maioria no segundo turno. Hoje estão reduzidos a menos de 10% do total.

E, pior, aparentemente confinados ao gueto do ONGoismo, dos movimentos sociais domesticados e de sindicatos, todos beneficiados ou financiados pelo governo federal. A verdade é que um pouco menos de dois terços dos eleitores já eram contra ela no dia da eleição.

Arte de NEWTON SILVA


Parte da rejeição ao governo é devida ao conhecimento que a presidente, para reeleger-se, acelerou a crise fiscal anunciada há pelo menos 20 anos. Esta assumiu, agora, o status superior de "estrutural", uma vez que o crescimento da receita (mesmo com os aumentos de impostos de mais de 10% do PIB no período) vão continuar a crescer menos do que a despesa, que é determinada endogenamente, pela vinculação de 90% dos gastos!

Dilma tem dificuldades de lidar com o problema, uma vez que, em 9 de novembro de 2005 –quando era Chefe da Casa Civil–, chamou o plano de ajuste fiscal de longo prazo que estava sendo preparado de "rudimentar" e acrescentou que "o tal debate é absolutamente desqualificado e não há autorização do governo para ele ocorrer".

Arte de LUSCAR


O surpreendente é que todos sabiam que ele estava sendo estimulado por Lula, por sugestão dos ministros Antonio Palocci e Paulo Bernardo.

Para sentir a gravidade da situação atual, em dezembro de 2013 o deficit nominal do governo foi de 3%, contra 6,2% em dezembro de 2014 e estima-se que terminaremos 2015, com um deficit nominal de 7% e, que a relação dívida bruta que era de 53,3% em dezembro de 2014, atingiu 58,9% em 2015 e deve beirar 62% ao final de 2015, um aumento de quase 10% do PIB em apenas dois anos!

Outra parte significativa da rejeição expressa nas "passeatas cívicas", nos "panelaços" etc. parece vir da impressão generalizada que Dilma ignorou a realidade talvez, inconscientemente, como revelou sua entrevista na edição de ontem a esta Folha.

Arte de NICOLIELO


Como disse Nietzsche, "as mentiras mais comuns são as que contamos para nós mesmos; as outras são, relativamente, exceções".

É preciso muita sorte e muita arte e engenho para desfazer tal impressão. Restabelecer a confiança da sociedade, é condição preliminar (ainda que não suficiente) para a volta do crescimento econômico que corrigirá todas as coisas.