domingo, 24 de julho de 2016

Governo ambíguo

Por Miriam Leitão.
O Globo

Governo ambíguo
Governo Temer tem reformas a prazo e aumento de gastos à vista A marca do governo Temer é a ambiguidade. Ele fala em ajuste e amplia gastos. Acusa o governo Dilma de ter sido gastador e provocado o rombo e solta uma nota dizendo que na administração da presidente afastada houve queda das despesas com salários de funcionários em proporção ao PIB. Anuncia como meta fiscal uma cifra astronômica e mesmo assim precisa recorrer à reserva de emergência.

Arte de THIAGO LUCAS


O pouco crédito que começa a ser dado ao governo pode se estiolar em breve. Basta que alguém grite que o rei está nu. O frágil aumento da confiança se deve menos ao presidente interino e mais ao afastamento de Dilma. É fruto do alívio de um bode sair de uma sala cheia. Como a presidente afastada cometeu uma série de absurdos econômicos e fiscais e levou o país à pior recessão da sua história, qualquer sucedâneo parecia melhor. No segundo momento, é inevitável constatar que o governo Temer não tem compromisso com a estabilidade fiscal, mesmo tendo em sua equipe pessoas cuja marca é a responsabilidade com as contas públicas.

O argumento para o aumento de salários generalizado de servidores é falso. O governo diz que eles já estavam negociados. Ora, foram concessões feitas por Dilma às vésperas de sair. Ela queria fazer média com o funcionalismo e deixar constrangimentos para quem a sucedesse. Conseguiu o que queria. Os aumentos estão sendo confirmados.

Arte de ELVIS


É preciso entender a dimensão do que está ocorrendo na economia. Por causa da desordem nas contas públicas o PIB caiu no buraco. Há quase 12 milhões de desempregados. No setor público, há a estabilidade. Os servidores estão, portanto, protegidos do drama do desemprego. É acintoso que numa administração provisória, com tanto trabalhador na rua, sejam reajustados os salários de quem está livre desse risco. O aumento em si pode ser justo, mas é um tratamento desequilibrado.

O argumento de que “já estava previsto no orçamento” é uma falácia. Se já estivesse, o governo não estaria sacando da reserva de contingência para evitar cortes nos gastos. Haverá uma hora em que os analistas vão somar tudo isso: déficits enormes este ano e no próximo, aumentos de salários para funcionários, recuos em promessas, saque em reservas orçamentárias, vetos da área política a novos cortes, medidas controversas. A conclusão será que este governo tem um discurso diferente da prática e é, na verdade, gastador.

Arte de AROEIRA


De concreto, o que ele propõe são reformas a prazo e aumento de gastos à vista. As propostas de reformas irão ao Congresso em algum momento no futuro, e delas pouco se sabe. Apenas intenções. A única mudança apresentada é o teto de despesas que ainda tramita, pode ser alterado, e exigirá, para ficar de pé, uma reforma da previdência. Do contrário, o país achatará todas as despesas enquanto a conta com os aposentados vai continuar crescendo.

O Brasil está numa situação realmente difícil. Entrou num despenhadeiro fiscal pelas manobras e ilegalidades mais diversas cometidas pela equipe da presidente afastada. O presidente em exercício está em estágio probatório. Precisa de apoio no Congresso e de confiança dos agentes econômicos. Por isso ele fica acendendo velas a entidades com lógicas diferentes, para agradar a todos. O resultado é um governo contraditório.

Arte de PAIXÃO


Enquanto isso, nas hostes da presidente afastada vai se mostrando que os problemas dela foram além da irresponsabilidade fiscal. Os Santana disseram que mentiram quando afirmaram que o dinheiro no exterior foi para pagar a campanha em Angola. Admitem que receberam de caixa 2 no Brasil. Mas, ao corrigir uma mentira, encontraram uma verdade conveniente. Dizem que receberam de Zwi Skornicki em 2013 para pagar 2010. Assim, fica o crime estacionado no mandato concluído e não no atual. A verdade por inteiro é que o casal de marqueteiros trabalhou para Dilma sem interrupção, de uma campanha a outra. Em 2012, quando anunciou a desastrada política energética, João Santana estava com ela orientando a fala na TV, já como pré-campanha da reeleição. E 2013 está mais perto de 2014 do que de 2010. Hoje em dia, o país não se engana.

Arte de SPONHOLZ


O Brasil está entre um péssimo governo em queda, e um governo ambíguo com chances de permanecer. E é o que temos no momento.