quinta-feira, 12 de maio de 2016

Joões e Joãos

Por Pasquali Cipro Neto.
Crônica



Joões e Joãos
Coincidência ou não, em alguns dos últimos textos analisei questões cujo mote foi a propaganda. A coluna de hoje vai pelo mesmo caminho, sugerido, desta vez, pela (bela) publicidade "junina" de um banco brasileiro. "Joãos, Antônios e Pedros", dizia-se na abertura da peça publicitária, gravada em Campina Grande (PB), talvez a capital das tradicionais festas juninas realizadas em todo o querido Nordeste.

Pensei em escrever sobre essa propaganda para comentar o emprego da forma "Joãos", mas, como havia outros assuntos na "fila", deixei o caso para depois. O pessoal que fez o filme foi mais rápido: nas últimas edições do comercial, a forma "Joãos" foi substituída por "Joões" ("Joões, Antônios e Pedros").

Pois é justamente a troca de "Joãos" por "Joões" o mote desta coluna. Nomes próprios têm plural? Se têm, o de "João" é mesmo "Joões"? E por quê?

Nomes próprios podem ser postos no plural, sim. Por que será que o título de uma das obras de mestre Eça de Queirós é "Os Maias"? Pois bem, o plural de "João" é um caso delicado, já que essa palavra termina em "ão". Há padrão para o plural dessas palavras? Não há. Os únicos vocábulos terminados em "ão" que têm plural uniforme são os paroxítonos: todos fazem o plural com o simples acréscimo de "s" ("bênçãos", "sótãos", "órfãos", "órgãos" etc.).

Das oxítonas terminadas em "ão", a maior parte faz o plural em "ões" ("corações", "portões", "balões" etc.), mas há as que fazem o plural em "ãos" ("mãos", "irmãos"), em "ães" ("alemães", "cães", "tabeliães") e as que admitem mais de uma forma de plural ("guardiães" e "guardiões"; "anciãos", "anciães" e "anciões"). O senhor absoluto dessa questão é o uso.

Pois foi o uso que consagrou a forma "joões" como plural de "joão", palavra presente em inúmeros compostos de nossa língua ("joão-teimoso", "joão-de-barro", "joão-ninguém", "joão-bobo", que, no plural, fazem, respectivamente, "joões-teimosos", "joões-de-barro", "joões-ninguém", "joões-bobos").

Quem não se lembra dos inúmeros joões do genial Mané Garrincha (que, por sinal, se jogasse hoje, seria massacrado pelos pobres defensores da tosca tese - corroborada por alguns "jornalistas" - de que os dribles humilham o adversário)? O termo "joão" foi tão usado e difundido que virou verbete de dicionário. No "Aurélio", por exemplo, encontra-se isto: "Denominação dada por Garrincha (Manuel Francisco dos Santos) aos seus marcadores". Em seguida, o dicionário informa que, por extensão de sentido, "joão" significa "jogador que é driblado facilmente".

Não resisto à tentação de citar um trecho de "Paulicéia Desvairada", de Mário de Andrade: 

"Eu insulto as aristocracias cautelosas! / Os barões lampiões! os condes Joões! os duques zurros! / que vivem dentro de muros sem pulos; / e gemem sangues de alguns mil-réis fracos / para dizerem que as filhas da senhora falam o francês / e tocam os "Printemps" com as unhas!". 

Como se vê, não falta registro de "joões". Aos "Joões", portanto, o que é deles, ou seja, o plural consagrado! É isso.