terça-feira, 29 de março de 2016

Cidadania também é escolha

Por David Coimbra.


Mande em mim
Você consegue se imaginar pedindo para alguém:

"Me oprima! Me submeta! Mande em mim!"?

Consegue?

É o que imploram os que defendem a volta da ditadura.

Porque uma ditadura nada mais é do que uma pessoa decidindo tudo por você, a não ser que você seja o ditador. Como duvido que aquelas senhoras que andam com faixas clamando por intervenção militar tenham força e influência suficientes para se alçar ao poder, elas não vão mandar em ninguém – vão obedecer.

Essa ânsia de servidão parece ilógica.

Não é.

Faz parte do jogo de forças entre os valores da liberdade e os da segurança. No Brasil de hoje, as pessoas se sentem inseguras. Elas olham para os lados e não veem ninguém capaz de protegê-las. É como se estivessem boiando no espaço, sem ter onde se apoiar.

É uma desagradável sensação de excesso de liberdade, algo bem próximo do desespero.

Então, as pessoas procuram proteção. Alguns a encontram naquela igreja que faz promessas concretas: aumento de salário, emprego novo, amor verdadeiro. Outros a encontram naquele candidato que é macho alfa, fala alto e está sempre brandindo o punho fechado: Bolsonaro, Trump... E há os radicais, os que preferem viver sob uma ditadura a enfrentar as contradições da democracia.

Ser livre dá trabalho.

O equilíbrio entre a segurança e a liberdade é uma construção sofisticada. Os brasileiros, desacostumados com a democracia, acham que, com democracia, tudo pode. A democracia lhes garante direitos, nunca os obriga a deveres.

Mas não é assim.

Democracia é o cumprimento da lei.

E a lei existe para regular a liberdade.

Liberdade total seria pegar o que você tivesse vontade de pegar, seria eliminar quem o incomodasse, seria fazer o que você bem entendesse, quando quisesse, como quisesse.

Aí seria impossível viver em sociedade. Foi para poder viver na companhia de outras pessoas que o homem inventou a lei.

Só que a lei também é suscetível a interpretações, e dança ora para o lado da segurança, ora para o lado da liberdade.

O juiz Sergio Moro, maior personagem da República nos últimos dois anos, defende uma Justiça que prioriza a segurança da sociedade em detrimento de certas liberdades individuais. É uma necessidade que vem sentindo o brasileiro desamparado. É uma tendência do país.

No entanto, o mesmo Sergio Moro defende uma Justiça que permite ao cidadão a liberdade de conhecer as informações públicas das pessoas públicas. Moro é a favor de tornar público tudo que é de interesse público.

Curiosamente, aqueles que defendem uma Justiça mais tolerante, mais centrada no indivíduo e, em tese, uma Justiça que dê mais valor à liberdade, defendem também a não publicação de certas informações de interesse público. Mesmo jornalistas, que vivem da publicação de fatos a respeito de pessoas públicas, posicionaram-se contra a divulgação, por exemplo, de detalhes de processos contra agentes públicos.

Tomando esse caso específico, o fascinante é que os dois lados, os que são contra a divulgação e os que são a favor, usam o mesmo argumento: eles estão ao lado da democracia.

Talvez ambos estejam certos. Existem diferentes tipos de democracia. Qual é a que queremos para nós?

Ainda não sabemos.

Ainda não sabemos quem somos.

Ainda temos de nos transformar em quem nós queremos ser.