quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

Analisando a carta de Michel Temer

Por Gaudêncio Torquato, em seu Porandubas Políticas

A carta de Michel I
A carta do vice-presidente Michel Temer estava engasgada em sua garganta há muito tempo. Até que ele decidiu soltar o verbo. Como se sabe, Michel é cordato, educado, atencioso, um diplomata. Aceita ponderações e chega a balançar positivamente com a cabeça em aceno de aprovação às ideias do interlocutor. No instante seguinte, porém, se não concordar, ele desarma os argumentos do outro. Sempre de maneira educada. Essa habilidade sempre esteve presente na sua interlocução com Dilma. Que deve ter considerado : pela maneira Michel Temer de ser, ele jamais dirá algo mais duro contra mim. Errou.

Arte de MARCO AURELIO


A carta de Michel II
Não foram poucas as vezes em que Michel se sentiu desprestigiado. Um exemplo marcante. Na posse do segundo mandato, ela teve um encontro de duas horas com o vice-presidente norte-americano Joe Biden. Michel é amigo dele. Teve oportunidade de iniciar uma amizade por ocasião das missões e viagens ao exterior, oportunidade em que se encontrou algumas vezes com Biden. A aproximação dos dois se estreitou em função da identidade de ambos : constitucionalistas, professores de Direito Constitucional. Pois bem, na posse de Dilma, ela não chamou Michel, amigo de Biden, para a conversa com o vice-presidente. Ela sabia, sim, que ambos eram amigos. Por que não chamou ? Ora, por prever que teria desconforto em assistir a uma conversa mais elevada. Ou simplesmente porque queria dar um recado a Michel : aqui, nessa praça, quem manda sou eu.

Arte de NANI


A carta de Michel III
Ele tomou a decisão de escrever a carta quando leu a declaração de Dilma falando da extrema confiança em Michel. Ora, nada mais falso. A fala de Dilma tinha um quê de deboche, uma teia de ironia, um leve tom de zombaria. Que foi percebido por amigos do vice-presidente. Era uma maneira de constrangê-lo. Algo como : se eu o elogiar, ele não terá alternativa que não a de me elogiar. Uma espécie de dique, barreira de contenção. Não imaginava que o nó da garganta de Michel estava alto. Errou mais uma vez.

Arte de LUTE


A carta de Michel IV
Como pode ser interpretada a carta ? Mais que um desabafo. Pode ser entendida como um passo na construção de um afastamento entre o PMDB e o governo Dilma ? De certo modo, sim. Depois dela, será muito difícil uma relação estreita entre a presidente e o vice. Continuarão a se falar, claro. Mas de maneira mais formal e litúrgica. Michel Temer, como ressaltou na missiva, sabe quais são suas funções e deveres. Vai se restringir a eles. Não fará pressão pelo impeachment ou defesa rigorosa da presidente. Deverá se pautar pelo espírito da lei e da ordem. É um constitucionalista. Que Dilma jogou fora por pura inabilidade política.

Arte de MIGUEL


A carta de Michel V
Urge lembrar que o PMDB fez uma proposta para o país contida no documento Uma Ponte para o Futuro. Essa proposta, adensada, arrematada sob o comando de Moreira Franco e sugestões coletadas pelo senador Romero Jucá, será votada em março de 2016, quando o PMDB fará seu Congresso. Pois bem, nessa ocasião o partido deverá decidir sobre as estratégias para o pleito nas prefeituras, em outubro, e sobre candidatura própria em 2018. Pode-se prever, assim, uma ruptura com o governo Dilma. A carta de Michel assinala esse rumo.

Arte de THIAGO LUCAS


A carta de Michel VI
É evidente que a carta também sinaliza ao PMDB a intenção dos petistas, não somente de Dilma, em aprofundar a cisão no partido. Dilma cooptou o líder Picciani com ministérios para a bancada na Câmara. O deputado, jovem e ambicioso, nunca imaginou chegar tão rápido ao pilar da fama. A tinta da caneta presidencial é um afrodisíaco. Agora, Dilma promete colocar no lugar do ministro Eliseu Padilha um nome indicado por Picciani. Que pensa no deputado mineiro Leonardo Quintão. A bancada mineira, depois da bancada carioca, é a maior. Picciani quer, desde já, garantir sua posição como candidato a substituir Eduardo Cunha na presidência da Câmara.

Arte de ZOP


A carta de Michel VII
Nem bem Michel Temer chegava a Brasília, a carta já estava vazada. Pelo Palácio. Qual a verdadeira intenção ? Mostrar um vice-presidente lamentoso ? Achincalhar ? Não se sabe qual a intenção do sábio do Planalto com esse vazamento. Uma das razões : tentar indispor Michel com uma das alas do próprio PMDB. Desacreditá-lo. Sabe-se que os ministros do núcleo duro estavam com a carta na mão por volta de 17, 18h. Dilma pediu para vazar ? Não se sabe. Mas o ato é de extrema deseducação política. Como se vaza uma carta pessoal, portanto sigilosa, de um vice-presidente para a presidente ? Desconsideração com o vice. Mais uma prova da conduta do governo do PT.

Arte de JARBAS


A carta de Michel VIII
A carta foi bem recebida pela mídia. Até porque Dilma está no fundo do poço da imagem. Formadores de opinião viram na carta a verdade que já conheciam: a da presidente autossuficiente, arrogante e desconfiada. Esperam com expectativa sua conversa com Michel. O que dirá ? Que foi surpreendida ? Que esperava lealdade dele ? Que acha que estava tudo indo às mil maravilhas, depois das humilhações cometidas com as demissões de Moreira Franco, Edinho Araújo e contra Padilha ? Essa conversa será interessante.

Arte de AMARILDO


A carta de Michel IX
E, agora, como será o dia a dia entre presidente e vice ? Uma interlocução fria, distante, litúrgica. A ponte não foi de todo fissurada, mas as fendas aparentes mostram necessidade de muito cimento para tampar os buracos.

Arte de NICOLIELO


Michel como articulador
Michel Temer só foi convidado para fazer a articulação política do governo Dilma por insistência de Lula junto à presidente. Por ela mesma, ficaria o Mercadante. E por que saiu ? Porque os compromissos assumidos por ele e Padilha, que o ajudava na articulação, não eram cumpridos. Ficavam na gaveta. Quiseram dar um basta na desmoralização. E saíram.