quinta-feira, 5 de novembro de 2015

Xixi nas ruas

Por David Coimbra
Crônicas
Xixi nas ruas
Vi a notícia de que alunas da Universidade de Pelotas ficaram nuas durante uma manifestação feminista, dias atrás. Não é novidade, mulheres têm tirado a roupa por ideologia, calor ou diletantismo. Mas houve algo de inédito nesse protesto, algo que me fez trocar o tema da crônica. Ia escrever sobre aquele terrível projeto do Cunha, o PL 5069, contra o qual espero que as meninas tenham protestado e a respeito do qual escreverei amanhã. Por ora, atenho-me a um gesto das peladas de Pelotas: elas urinaram em baldes, a fim de reclamar contra os homens que urinam na rua. Isso realmente me intrigou. É uma reivindicação muito justa essa, de que os homens parem de fazer xixi na rua. É um troço nojento. Será hábito dos pelotenses?



Acho que não. Isso acontece em todo o Brasil. No Rio, o xixi na rua se tornou caso de polícia. No Carnaval do ano passado, mais de mil pessoas foram multadas em até R$ 500 cada uma, lembro bem desse número. Cento e tantas foram presas. Só que mais de 10% dos infratores eram mulheres.

Agora: é claro que os homens fazem muito mais xixi na rua do que as mulheres, devido à facilidade da operação. O homem permanece de pé, é tudo muito rápido e dissimulado.

Obviamente, sou contra esse comportamento incivilizado, mas, por amor à verdade, tenho de confessar que já o cometi.



Foi assim: eu trabalhava no Centro e, no fim do expediente, saí com colegas para tomar uns chopes. Tomamos vários. Na hora de ir embora, senti uma vontadezinha de ir ao banheiro, mas cometi o erro de pensar: estou com pressa, faço xixi em casa.

Eis um ensinamento precioso que aprendi neste mundo, mundo, vasto mundo, caro leitor. Se há um conselho que posso dar, certamente é este. Preste atenção, imprima a frase seguinte em letras douradas e pendure-a, devidamente emoldurada, em um lugar em que ela esteja sempre à vista. É a seguinte:

“Se você sentir vontade de ir ao banheiro, vá”.

Sim, vá, porque, se não for, todo o seu ser logo estará a serviço daquela imperiosa necessidade, e nada mais será relevante na vida, nem o amor, nem a glória, nem o dinheiro, nem a fome mundial, nem a cura da ressaca, nada.



Pois, naquele dia, não fui ao banheiro. Tomei o lotação rumo à Zona Norte e, nem bem o carro arrancou, percebi que precisava, PRECISAVA!, esvaziar a bexiga. O lotação seguia devagar pelas ruas da cidade, parava nas esquinas à espera de passageiros que não vinham, e eu, angustiado como poucas vezes na existência, só pensava em chegar em casa.

Seguíamos lentamente, o motorista olhava para um lado e outro da rua e avançava a 10 ou 20 km/h, uma aflição. A cada semáforo, eu gemia. A cada solavanco, meus órgãos internos doíam e latejavam. Todo o meu corpo reclamava por se ver livre daquele excesso líquido.

O lotação foi rodando, moroso, trepidante, como num pesadelo. Até que, à altura da Carlos Gomes, não aguentei mais. Pedi ao motorista que me deixasse numa esquina, desci correndo, esquivei-me para um canto escuro da rua e, ahhhhhhhh! Aaaaaaaaah!, fiz o xixi mais espetacular da minha vida. O prazer que senti naquele momento foi maior do que toda a vergonha, todo o receio de ser flagrado, todo o apelo milenar da civilização. Sorri, ao cabo daquele xixi. Vibrei. Cantei. Era um novo ser humano que fechava a bragueta, um homem mais leve. Mais feliz.

Errei. Sei que errei. Mas, devido às circunstâncias, espero que as meninas de Pelotas me perdoem.