quinta-feira, 20 de agosto de 2015

Relembrando Millôr

Por Marcelo Madureira, em O Antagonista

Crônica

Frases do genial Millôr

Millôr Fernandes, um imortal sem academia
Para o meu querido mestre Gravatá

Tem gente que morre e faz a maior falta. Assim, de cara, falo do meu pai, Seu Mauro, e do João Saldanha. Na sexta-feira passada, dia 27 de março, fez três anos que o Millôr Fernandes morreu. Saudades.

[Corruptos são encontrados 
em várias partes do mundo, 
quase todas no Brasil]

Conheci o Millôr, mas menos do que queria. Lamento muito isso. Em compensação, convivi com a sua obra, diariamente, anos a fio. No Pif-Paf, no Pasquim, na Veja, no finado Jornal do Brasil - aonde quer que o Millôr fosse, eu ia atrás abanando o rabo. Millôr Fernandes era o meu Antônio Conselheiro. Junto com Ivan Lessa, Jaguar, Paulo Francis, Tarso de Castro, Henfil e tantos outros, Millôr foi uma espécie de João Gilberto na minha formação humorística e intelectual. Fundamental. A obra é eterna, e o intelectual, assim como algumas bichas, nunca morre, vira purpurina.

[Democracia começa na hora de votar.
E acaba na hora de contar]

Fundada a Casseta Popular, já com um certo renome no circuito marginal, Helio de la Peña e eu fomos incumbidos pelo resto do grupo de introduzir a Casseta (no bom sentido, de fora para dentro) no inventor do frescobol. Eu morava em Ipanema e Millôr Fernandes residia na quadra seguinte. Lívidos e trêmulos de emoção acionamos o interfone, uma voz metálica nos autorizou a subir. Parecíamos um casal de veados. Tocamos a campainha. Súbito a porta se abriu e o semi-deus em pessoa se mostrou de torso desnudo (devia estar comendo alguém). No pórtico do templo, gaguejando, justificamos a nossa presença, e colocamos em suas mãos o produto de nossa obra. Millôr pegou, olhou e disse: obrigado, façam sucesso e fiquem ricos. Em seguida bateu a porta na nossa cara e retomou à sua provável foda. E isso foi tudo.

[Em tempos de crise sociais 
os pobres perdem o pouco que têm,
 os competentes são afastados de seus cargos
 - e os inocentes vão para o paredão.]

Seguimos os seus sábios conselhos e o resto é história.

Vida que segue. Estava eu trabalhando na Casseta quando toca o telefone. Era da Globo News, Millôr acabara de morrer e eles queriam um depoimento ao vivo. Imediatamente me colocaram no ar. O Chico Anysio havia morrido há pouco tempo e eu falei com a apresentadora: “Puxa vida! Eu adoro a Globo News, sou um telespectador fiel mas, ultimamente, vocês só estão me dando noticias tristes, semana passada o Chico Anysio, agora o Millôr. Com tanta gente para morrer no Brasil, como o Zé Sarney, o Collor, o Maluf... Quando é que vocês vão me dar uma boa notícia dessas?“ Sem graça a entrevistadora cortou a entrevista. Esta foi a melhor homenagem que eu poderia prestar ao Millôr.

[No Rio se mata. Na Amazônia se desmata.
Estamos em pleno equilíbrio sustentável.]

No dia seguinte, fui ao velório antes do churrasco do Millôr. Ele foi cremado. Desolado, eu estava sentado na capela quando adentrou o Ziraldo aos berros me procurando para dar porrada. Tudo porque eu havia dito em entrevistas que o Millôr havia se recusado a requerer a Bolsa Ditadura. Para ele era uma questão de ideologia, não era um investimento. Hoje eu entendo. O Ziraldo não se conformava que o Millôr, em seu próprio velório, pudesse chamar mais atenção que o maior cartunista de Caratinga de todos os tempos.

[Todo grupo político é apenas 
agência de emprego pra seus membros]

Pacificados os ânimos, eu estava sentado ao lado de Cora Ronai, querida amiga, lamentando a perda do intelectual e humorista. De repente, uma jovem repórter de Caras se aproximou. E pediu uma minha declaração sobre a perda do grande “Millôr Ferreira”.

Dei um salto na cadeira. Olhei o rosto sem vida do Millôr no caixão e não me controlei. Parti em direção ao ataúde e gritei na orelha morta do artista: "Millôr Ferreira!!! Porra Millôr! Acorda! Você ainda nem foi cremado e já caiu no esquecimento!!!!"

E tenho dito.