quinta-feira, 13 de agosto de 2015

A arte da cantada

Por Xico Sá.

Crônica

A arte da cantada permanente
Chegamos a outubro e reparei que ainda não havia repetido este ano uma das minhas campanhas obrigatórias, renováveis e sustentáveis. Eis o panfleto lírico:

A cantada, amigos, 
é como a revolução de Mao Tse-Tung,
 tem que ser permanente.



Querem ver uma história que representa muito isso? Vejam o francesinho do cartaz arriba -“O Homem que amava as mulheres”, do Truffaut, o cara que nasceu para filmar o amor.

Existem mulheres que a gente canta no jardim da infância para dar o primeiro beijo lá pelos quatorze, quinze, e olhe lá.

Mas é necessário que a cante sempre, não aquela cantada localizada, neoliberal e objetiva, falo do flerte, do mimo, do regador que faz florescer, como numa canção brega, todos os adjetivos desse mundo.

A cantada de resultado, aquela imediata, é uma chatice, insuportável, se eu fosse mulher reagiria com um tapa de novela mexicana, daqueles que fazem plaft!

A boa cantada é a cantada permanente.

E mais importante ainda depois que rolam as coisas, depois que acontece, aí a cantada vira devoção, oração dos pobres moços a todas elas.

Porque cantar só para uma noitada de sexo é uma pobreza dos diabos, qualquer um animal o faz.

Porque cantar, à vera, é cantar todas e não cantar nenhuma ao mesmo tempo.

Explico: é espalhar pacientemente a devoção a todas as mulheres como quem espalha sementes nos campos de lírios.

Mesmo que elas digam, com aquele riso litografado na covinha do sorriso, que você diz isso para todas.

E claro que para cada uma dizemos uma loa, fazemos uma graça, não repetimos o texto, o lirismo, o floreado.

Porque amamos mesmo as mulheres.

Cantemos indiscriminadamente, e que me perdoe o velho e bom Vinícius de Moraes, mas cantemos sobretudo as ditas feias, esse conceito cruel e abstrato de beleza. Elas merecem, até porque as feias não existem, nunca conheci nenhuma até hoje.

Não por sermos generosos, piedade, ou algo do gênero… É que a dita feia, quando bem cantada, vira a superfêmea, para lembrar a bela pornochanchada com a Vera Fischer.

A cantada permanente e indiscriminada é irresistível, quando você menos espera, acontece o que você tanto sonhava.

Sim, tem que ter o cuidado para não ser simplesmente um chato que baba diante do melhor dos espetáculos, a existência das mulheres.

Ter que cantar sempre a mesma mulher e parecer que está apenas de passagem, que o estribilho é sempre novo, nada de larararás que mais parecem refrões do Sullivan e do Massadas.

Ah, digamos que você cantou a Sônia Braga ainda naqueles tempos em que Gabriela subiu com aquele vestidinho no telhado –a cena mais quente da teledramaturgia brasileira até hoje- e e continuou cantando, sempre, sutil e sempre, e agora ela, passados tantos calendários, se comove e resolve recompensá-lo! Vai ser lindo do mesmo jeito, não acha? Na tela do nosso cocoruto vai passar o videotape de todos os desejos antigos e despejados no ralo pela morena cravo & canela.