quinta-feira, 25 de junho de 2015

Elis Regina poderia ter sido presa

Por David Coimbra.

Crônicas


Elis Regina poderia ter sido presa
Estava ouvindo o João Bosco. As músicas dele em parceria com o Aldir Blanc têm uma brasilidade que está em extinção. Ninguém mais escreveria, hoje em dia:

“Genésio,  a mulher do vizinho
 sustenta aquele vagabundo.”

“E o meu café, cadê? 
Não tem, vai pão com pão.”

“Costurou na boca do sapo um resto de angu, 
a sobra do prato que o pato deixou.”

E tem aquela da mulher que vive para atazanar o marido e, numa manhã, depois de sonhar à noite com ele, mandou que jogasse no burro. Ele jogou e acertou no milhar.

Uma das mais lindas, que era cantada também por Elis Regina, hoje seria impossível. É Gol Anulado. A letra diz assim:

“Quando você gritou Mengo!
No segundo gol do Zico
Tirei sem pensar o cinto
E bati até cansar.
Três anos vivendo juntos
E eu sempre disse contente:
Minha preta é uma rainha
Porque não teme o batente
Se garante na cozinha
E ainda é Vasco doente.”

Uma história com sabor de aipim frito na manteiga. Durante três anos, a ilustríssima dizia para ele que era vascaína, mas, quando Zico meteu o segundo gol num Flamengo e Vasco, ela não se aguentou e extravasou sua paixão rubro-negra. Não duvido que o vascaíno da música preferisse ser traído por outro homem do que por outro time.


Essa poesia hoje causaria indignação, revolta e, não duvido, processo. As redes sociais se ergueriam em fúria, apontando João Bosco, Aldir Blanc e Elis Regina como incentivadores da violência contra a mulher. O Ministério Público puxaria da bainha a espada da Justiça. Depoimentos comoventes de mulheres espancadas seriam espalhados pelo Whats, fazendo muita gente chorar e balbuciar, com a voz embargada:

– Essa é a nossa luta, e a nossa luta não é engraçada…

De fato, luta-se muito, Brasil afora, e lutas não são engraçadas. Que fazer? Não há outro jeito, a não ser rir menos.