segunda-feira, 18 de maio de 2015

Não vale mais dizer: "eu não sei" !

Por Elio Gaspari, em sua coluna na FOLHA.

A carta do eu-não-sabia saiu do baralho
Com a inevitável lembrança do Holocausto, acabaram as comemorações dos 70 anos do fim da Segunda Guerra Mundial. Numa trapaça do tempo, fica a impressão de que, em 1945, confrontado com a barbárie, o mundo reagiu com repulsa geral.

Noutra, em 2015 acredita-se que hoje coisas daquele tipo são inimagináveis. Infelizmente, as duas suposições são falsas. Milhares de judeus que saíram dos campos de concentração foram recebidos como intrusos quando tentaram voltar às suas casas na Europa Oriental.



Quando Heda Margolius, ex-prisioneira de Auschwitz, regressou a Praga, sua vizinha perguntou-lhe: "Por que você voltou?".

Em Cracóvia houve um pogrom em agosto de 1945. Nos 18 meses posteriores ao fim da guerra, mataram-se mais judeus na Polônia, Hungria e Tchecoslováquia do que nos 10 anos anteriores ao início do conflito.

O mundo só começou a encarar o Holocausto a partir dos anos 60, depois que o primeiro-ministro israelense David Ben Gurion, numa centelha de genialidade, mandou que Adolf Eichmann, capturado em Buenos Aires, fosse levado para um julgamento público em Tel Aviv.



O gerente da Solução Final foi enforcado em 1962.

A segunda trapaça do tempo é a de que aquilo foi coisa de outra época. O ódio e a violência racial e religiosa continuam aí, expostos no cotidiano do século 21. O Estado Islâmico, que se assenhoreou de parte do território do Iraque e da Síria, tem os ingredientes da superioridade nazista, com uma diferença: ele mata muçulmanos xiitas, judeus e cristãos.

Faz isso ostensivamente e coloca filmes na rede. Um deles, "Clanging of the Swords 4" ("O barulho das espadas"), com pouco mais de uma hora de duração. Coisa de profissionais, produzida há um ano. Barra pesadíssima.



Os nazistas não propagavam o que faziam. Pelas suas leis e pelos seus discursos, podia-se supor, mas não se podia ver. O Estado Islâmico usa a selvageria como instrumento de propaganda. Algo como coproduções de Heinrich Himmler, comandante da Solução Final e de Joseph Goebbels, marqueteiro do regime.

Na década de 30 havia quem tivesse uma ponta de compreensão para com os nazistas. Afinal, opunham-se aos comunistas. Hoje esse engano pode ser alimentado, em ponto menor, pela oposição do Estado Islâmico aos Estados Unidos e Israel. 




Se há uma diferença entre 2015 e 1945, ela está do fato de que agora saiu do baralho a carta do eu-não-sabia(*). Só não sabe quem não quer, porque os fatos estão aí, mostrados pelo próprio Estado Islâmico.

(*) Viu Lulla? Viu Dilma?