segunda-feira, 20 de abril de 2015

Que bicho é esse?

Por Fernando Gabeira. De seu blog.


Que bicho é esse?
Na fronteira do Piauí com o Ceará, onde está o cânion do Rio Poti, as pedras são a grande atração. Suas formas nos desafiam, as composições derrotam nosso desejo de classificá-las. A exceção são as pedras que lembram bichos. Nesse caso ganham um nome: Pedra da Baleia, da Tartaruga. Na última viagem a Brasília, examinando a configuração que o governo tomou ao longo da crise, senti-me desafiado a descrevê-lo: que bicho é esse? Como muitas pedras no cânion do Rio Poti, não é nada parecido com imagens familiares.

Arte de LUIZ FERNANDO VERISSIMO


Acuado pela pressão das ruas, o PT lançou mão de Joaquim Levy para tocar a economia e do PMDB para tocar a política. Na Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha reina, às vezes, com um enfoque autoritário. Proibiu que presos fossem à CPI, mas blindando o intermediário do PMDB, Fernando Baiano. Como o PMDB se dispõe a fazer avançar a agenda do capitalismo e suas metamorfoses e promete garantir a liberdade de imprensa, abriu um crédito, senão de simpatia, pelo menos de tolerância.

Outro dia, uma emissora de TV, extremamente crítica ao governo, ressaltava a habilidade de Temer em bloquear a CPI do BNDES. A locutora não queria entrar no mérito, apesar de destacar essa qualidade. Acontece que é impossível dissociar a habilidade do objetivo de sua ação: desvendar a atuação do banco é algo importante para o momento, e fundamental quando se escrever a história desses anos de governo petista.

Arte de SPONHOLZ


Numa conferência, Fernando Henrique Cardoso afirmou que a sociedade não pode viver em guerra e que, em algum momento, haveria um acordo. Fernando Henrique está equivocado sobre a necessidade de seu partido manter distância do movimento das ruas. E está equivocado quando diz que impeachment é uma bomba atômica. O impeachment pedido pelas multidões não é uma bomba atômica. É uma batata quente nas mãos de um grupo que não gosta de combater, que sonha em cruzar as estradas enlameadas sem sujar o guarda-pó.

Se houver algum tipo de acordo, sem consulta às ruas, será apenas uma tentativa de esvaziar o movimento. E confirmar, como dizem tantos jornalistas próximos ao governo, que as multidões não têm foco e vão se dispersar.

Arte de RICO


Como fazer um acordo com Joaquim Levy sobre o ajuste fiscal? Ou com Temer sobre a paz política? Um influencia a economia, outro, a política, mas o PT continuará dominando a máquina.

Que sentido tem um esforço fiscal com a máquina dominada pelo PT? Eles não aceitam cortes nem admitem a corrupção em todos os níveis do governo. Vamos poupar para que a máquina continue sendo assaltada? Estamos falando com intermediários do PT, Levy e Temer.

Arte de CLAYTON


Que tipo de horizonte político o PMDB pode garantir? Renan Calheiros e Eduardo Cunha estão sendo investigados pela PF. Mas não deixam o cargo enquanto o processo se desdobra. Uma demanda desse tipo pode ser quixotesca agora. Mas não no futuro, quando o país amadurecer. O máximo que o PMDB pode fazer é segurar uma das alças do caixão da Nova República. Isto é participar de uma fase de transição que leve a 2018.

A configuração que se criou em Brasília, com o PMDB ocupando espaços do PT e Joaquim Levy negociando o ajuste, libera Dilma para uma atuação simbólica, de rainha da Inglaterra. Enquanto Levy trabalha e o PMDB tranquiliza, o PT apenas hibernará. Se o ajuste econômico for um fracasso, será um fracasso da política dos adversários.

Arte de LEANDRO FRANCO


Nunca vi uma situação como essa, ou mesmo um partido tão rejeitado nas ruas. Ao perder a iniciativa na economia e na política, só lhe resta se apegar aos cargos no governo. E esperar um momento para levantar a cabeça. Este momento para mim é muito remoto. Milhões de brasileiros acompanham os escândalos. É uma ilusão pensar que esquecem. O ano que vem vai mostrar aos candidatos municipais do PT o tamanho da conta a pagar.

Não adianta construir um esconderijo perfeito. Pouco se avançará sem a punicão dos assaltantes da Petrobras e outras empresas do governo. E nada se avançará sem que os partidos assumam sua responsabilidade nos escândalos de corrupção.

Arte de CICERO


Fernando Henrique tem razão: a sociedade não pode viver em guerra permanente. Mas também não pode ser vítima de um assalto permanente.

Esse é o grande nó a ser desatado. Alguns conhecidos de esquerda acham que a corrupção é secundária, angústia de pequenos burgueses. Outros me chamam de velho conservador e dizem que se viver mais dez anos vou defender a monarquia absolutista. Eles esperam que viva mais. Fico agradecido. Teremos tempo para cuidar de nossas divergências.

Arte de SID


Mesmo porque agora o poder, de uma certa maneira, se deslocou. Vamos cuidar do PMDB, do ajuste fiscal e esperar que a esquerda oficial saia da toca. Muitos dos seus quadros não andam nas ruas, não sabem o que os espera.