segunda-feira, 2 de março de 2015

E a máscara caiu

BRASIL NO EXTERIOR

Por Mario Vargas Llosa.
Publicado no EL PAÍS em JUL2014


Colaboração de Sebastião Cunha

Charges de Roque Sponholz


Mário Vargas Llosa consegue enxergar com clareza cristalina o barro do qual o Brasil (do PT) é feito - os três parágrafos com outra tonalidade de cor referem-se à atuação da Seleção na Copa.

A máscara do gigante (ou A miragem de Lula)
A verdade é que não houve nenhum milagre naqueles anos [do governo Lula], e sim uma miragem que só agora começa a se esvair, como ocorreu com o futebol brasileiro. Uma política populista como a que Lula praticou durante seus governos pôde produzir a ilusão de um progresso social e econômico que nada mais era do que um fugaz fogo de artifício. O endividamento que financiava os custosos programas sociais era, com frequência, uma cortina de fumaça para tráficos delituosos que levaram muitos ministros e altos funcionários daqueles anos (e dos atuais) à prisão e ao banco dos réus.


Fiquei muito envergonhado com a cataclísmica derrota do Brasil frente à Alemanha na semifinal da Copa do Mundo, mas confesso que não me surpreendeu tanto. De um tempo para cá, a famosa seleção Canarinho se parecia cada vez menos com o que havia sido a mítica esquadra brasileira que deslumbrou a minha juventude, e essa impressão se confirmou para mim em suas primeiras apresentações neste campeonato mundial, onde a equipe brasileira ofereceu uma pobre figura, com esforços desesperados para não ser o que foi no passado, mas para jogar um futebol de fria eficiência, à maneira europeia.

Nada funcionava bem; havia algo forçado, artificial e antinatural nesse esforço, que se traduzia em um rendimento sem graça de toda a equipe, incluído o de sua estrela máxima, Neymar. Todos os jogadores pareciam sob rédeas. O velho estilo – o de um Pelé, Sócrates, Garrincha, Tostão, Zico – seduzia porque estimulava o brilho e a criatividade de cada um, e disso resultava que a equipe brasileira, além de fazer gols, brindava um espetáculo soberbo, no qual o futebol transcendia a si mesmo e se transformava em arte: coreografia, dança, circo, balé.

Os críticos esportivos despejaram impropérios contra Luiz Felipe Scolari, o treinador brasileiro, a quem responsabilizaram pela humilhante derrota, por ter imposto à seleção brasileira uma metodologia de jogo de conjunto que traía sua rica tradição e a privava do brilhantismo e iniciativa que antes eram inseparáveis de sua eficácia, transformando seus jogadores em meras peças de uma estratégia, quase em autômatos.

Não houve nenhum milagre nos anos de Lula, e sim uma miragem que agora começa a se dissipar.

Contudo, eu acredito que a culpa de Scolari não é somente sua, mas, talvez, uma manifestação no âmbito esportivo de um fenômeno que, já há algum tempo, representa todo o Brasil: viver uma ficção que é brutalmente desmentida por uma realidade profunda.




Tudo nasce com o governo de Luis Inácio ‘Lula’ da Silva (2003-2010), que, segundo o mito universalmente aceito, deu o impulso decisivo para o desenvolvimento econômico do Brasil, despertando assim esse gigante adormecido e posicionando-o na direção das grandes potências. As formidáveis estatísticas que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística difundia eram aceitas por toda a parte: de 49 milhões os pobres passaram a ser somente 16 milhões nesse período, e a classe média aumentou de 66 para 113 milhões. 

Não é de se estranhar que, com essas credenciais, Dilma Rousseff, companheira e discípula de Lula, ganhasse as eleições com tanta facilidade. Agora que quer se reeleger e a verdade sobre a condição da economia brasileira parece assumir o lugar do mito, muitos a responsabilizam pelo declínio veloz e pedem uma volta ao lulismo, o governo que semeou, com suas políticas mercantilistas e corruptas, as sementes da catástrofe.




A verdade é que não houve nenhum milagre naqueles anos, e sim uma miragem que só agora começa a se esvair, como ocorreu com o futebol brasileiro. Uma política populista como a que Lula praticou durante seus governos pôde produzir a ilusão de um progresso social e econômico que nada mais era do que um fugaz fogo de artifício. O endividamento que financiava os custosos programas sociais era, com frequência, uma cortina de fumaça para tráficos delituosos que levaram muitos ministros e altos funcionários daqueles anos (e dos atuais) à prisão e ao banco dos réus.



As alianças mercantilistas entre Governo e empresas privadas enriqueceram um bom número de funcionários públicos e empresários, mas criaram um sistema tão endiabradamente burocrático que incentivava a corrupção e foi desestimulando o investimento. Por outro lado, o Estado embarcou muitas vezes em operações faraônicas e irresponsáveis, das quais os gastos empreendidos tendo como propósito a Copa do Mundo de futebol são um formidável exemplo.



O governo brasileiro disse que não havia dinheiro público nos 13 bilhões que investiria na Copa do Mundo. Era mentira. O BNDES (Banco Brasileiro de Desenvolvimento Econômico e Social) financiou quase todas as empresas que receberam os contratos para obras de infraestrutura e, todas elas, subsidiavam o Partido dos Trabalhadores, atualmente no poder. (Calcula-se que para cada dólar doado tenham obtido entre 15 e 30 em contratos).

As obras da Copa foram um caso flagrante de delírio e irresponsabilidade.



As obras em si constituíam um caso flagrante de delírio messiânico e fantástica irresponsabilidade. Dos 12 estádios preparados, só oito seriam necessários, segundo alertou a própria FIFA, e o planejamento foi tão tosco que a metade das reformas da infraestrutura urbana e de transportes teve de ser cancelada ou só será concluída depois do campeonato. Não é de se estranhar que o protesto popular diante de semelhante esbanjamento, motivado por razões publicitárias e eleitoreiras, levasse milhares e milhares de brasileiros às ruas e mexesse com todo o Brasil.

As cifras que os órgãos internacionais, como o Banco Mundial, dão na atualidade sobre o futuro imediato do país são bastante alarmantes. Para este ano, calcula-se que a economia crescerá apenas 1,5%, uma queda de meio ponto em relação aos dois últimos anos, nos quais somente roçou os 2%. As perspectivas de investimento privado são muito escassas, pela desconfiança que surgiu ante o que se acreditava ser um modelo original e resultou ser nada mais do que uma perigosa aliança de populismo com mercantilismo, e pela teia burocrática e intervencionista que asfixia a atividade empresarial e propaga as práticas mafiosas.



Apesar de um horizonte tão preocupante, o Estado continua crescendo de maneira imoderada – já gasta 40% do produto bruto – e multiplica os impostos ao mesmo tempo que as “correções” do mercado, o que fez com que se espalhasse a insegurança entre empresários e investidores. Apesar disso, segundo as pesquisas, Dilma Rousseff ganhará as próximas eleições de outubro, e continuará governando inspirada nas realizações e logros de Lula.

Se assim é, não só o povo brasileiro estará lavrando a própria ruína, e mais cedo do que tarde descobrirá que o mito sobre o qual está fundado o modelo brasileiro é uma ficção tão pouco séria como a da equipe de futebol que a Alemanha aniquilou. E descobrirá também que é muito mais difícil reconstruir um país do que destruí-lo.



 E que, em todos esses anos, primeiro com Lula e depois com Dilma, viveu uma mentira que seus filhos e seus netos irão pagar, quando tiverem de começar a reedificar a partir das raízes uma sociedade que aquelas políticas afundaram ainda mais no subdesenvolvimento. É verdade que o Brasil tinha sido um gigante que começava a despertar nos anos em que governou Fernando Henrique Cardoso, que pôs suas finanças em ordem, deu firmeza à sua moeda e estabeleceu as bases de uma verdadeira democracia e uma genuína economia de mercado. Mas seus sucessores, em lugar de perseverar e aprofundar aquelas reformas, as foram desnaturalizando e fazendo o país retornar às velhas práticas daninhas.



Não só os brasileiros foram vítimas da miragem fabricada por Lula da Silva, também o restante dos latino-americanos. Por que a política externa do Brasil em todos esses anos tem sido de cumplicidade e apoio descarado à política venezuelana do comandante Chávez e de Nicolás Maduro, e de uma vergonhosa “neutralidade” perante Cuba, negando toda forma de apoio nos organismos internacionais aos corajosos dissidentes que em ambos os países lutam por recuperar a democracia e a liberdade. Ao mesmo tempo, os governos populistas de Evo Morales na Bolívia, do comandante Ortega na Nicarágua e de Correa no Equador – as mais imperfeitas formas de governos representativos em toda a América Latina – tiveram no Brasil seu mais ativo protetor.



Por isso, quanto mais cedo cair a máscara desse suposto gigante no qual Lula transformou o Brasil, melhor para os brasileiros. O mito da seleção Canarinho nos fazia sonhar belos sonhos. Mas no futebol, como na política, é ruim viver sonhando, e sempre é preferível – embora seja doloroso – ater-se à verdade.