terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

PT chama a sociedade para a briga

Por Merval Pereira.
Publicado no O GLOBO em 21FEV2015


Confronto a vista
Declaração de Dilma só pode ser ação coordenada de enfrentamento. A provocativa declaração da presidente Dilma tentando atribuir ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso a culpa pretérita pelos crimes cometidos na Petrobras no período de governos petistas, de 2003 a 2014, de tão tosca, só pode fazer parte de uma ação coordenada de enfrentamento.

Arte de ALPINO


Tudo indica que o governo e seu entorno decidiram agir de maneira coordenada para o enfrentamento público das acusações, que logo serão conhecidas em sua integralidade. Estão agindo em várias frentes. A CUT, braço sindical do petismo, está convocando uma ridícula marcha em favor da Petrobras, não contra aqueles que a saquearam nos últimos anos, mas contra quem denuncia os desvios.

O pretexto é o de sempre, mas ainda funcional em determinadas áreas: tudo não passaria de um golpe para enfraquecer a Petrobras com o objetivo de privatizá-la. Sabe-se agora que o ex-presidente Lula tem sido acionado por donos das empreiteiras para uma intervenção impossível.

Arte de ANGELI


Também o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, foi acionado, deixando o flanco aberto para ser acusado de estar agindo em defesa das empreiteiras. Na ação governamental, a Controladoria-Geral da União (CGU) armou uma legislação prêt-à-porter que transforma o Tribunal de Contas da União (TCU) em seu órgão auxiliar no exame de acordos de leniência, e não fiscalizador, auxiliar do Poder Legislativo.

Tudo para garantir que as empreiteiras saiam da enrascada em que se meteram o menos prejudicadas possível, sem perder a condição de continuar fazendo obras para o governo.



Como não somos, ainda, uma república bananeira em que o Executivo domina os demais poderes, como alguns de nossos vizinhos e aliados de primeira linha, a resposta da sociedade está sendo vigorosa.

Numa reação à tentativa de limitar os danos das empreiteiras, e como consequência lógica da Operação Lava-Jato, o Ministério Público Federal ajuizou ontem 5 ações de improbidade administrativa contra seis empreiteiras acusadas de envolvimento no esquema de desvio de recursos da Petrobras: Camargo Corrêa, Engevix, Galvão Engenharia, Mendes Júnior, OAS e Sanko, num total R$ 4,48 bilhões.

Arte de MARCO AURELIO


A ação de improbidade tem elementos até de direito penal, mas é um desdobramento cível do processo. O acordo de leniência da CGU com as empreiteiras está sob o crivo do Judiciário, e pode ser anulado. Se for o ministro que o assina, o processo será no Supremo Tribunal de Justiça. Se for um funcionário qualquer, será do juízo federal de Brasília.

Mas também o Legislativo está vigilante quanto a essa dobradinha do CGU com o TCU, sob as bênçãos do advogado-geral da União, Luís Adams, que também é candidato ao STF juntamente com Cardozo. (Acho que a atuação dos dois no episódio lhes tira qualquer possibilidade de serem indicados ou de serem aprovados pelo Senado).

Arte de SPONHOLZ


Há diversos movimentos no Legislativo para anular essa nova legislação da CGU, e tanto do advogado-geral da União quanto o ministro da CGU e o presidente do TCU podem ser convocados para explicarem seus papéis nessa que se assemelha a uma manobra para salvar as empreiteiras da punição mais rigorosa.

O Ministério Público Federal quer que elas sejam impedidas de assinar novos contratos com o governo. Já o acordo de leniência da CGU/TCU determina expressamente que elas poderão continuar concorrendo às licitações, assim como não perderão o direito de receber empréstimos dos bancos públicos, notadamente do BNDES.

Arte de JARBAS


Na definição de uma velha raposa política, "estamos diante de uma situação política nova que vai engendrar comportamentos políticos inusitados". A começar pela situação inusitada do Executivo, depois de ter armado uma maioria absolutíssima à base de expedientes como os do mensalão e do petrolão, ter ficado isolado politicamente, dependente do presidente da Câmara, o deputado Eduardo Cunha, figura política ambígua que manobra a seu bel-prazer.

Qual será seu próximo passo?