No último 9 de novembro, completou-se 25 anos da queda do Muro de Berlim, Símbolo da Guerra Fria e da ocupação alemã no pós-guerra, o muro dividiu a capital em duas, enquanto fronteiras espalhadas por todo país separavam as Alemanhas Ocidental (oeste) e Oriental (leste).
A queda do muro, no entanto, não representou o fim das diferenças entre os alemães do lado leste e os do lado oeste. Pelo contrário, as diferenças podem ser vistas até hoje. E do espaço.
A imagem acima, fotografada em 2012, foi capturada pelo astronauta André Kuipers, da Estação Espacial Internacional. É possível notar uma clara divisão na tonalidade das luzes reluzentes de Berlim.
Segundo o departamento de desenvolvimento urbano, o lado leste tem usado lâmpadas de vapor sódico na iluminação pública, enquanto os ocidentais usam lâmpadas fluorescentes de mercúrio ou gás. De acordo com Daniela Augenstein, porta-voz do departamento, pressões levaram o governo ocidental a buscar medidas mais sustentáveis e eficientes energeticamente e, portanto, as lâmpadas fluorescentes, mais eficientes, começaram a substituir as velhas de sódio nos postes. Entretanto, como tais pressões não existiram do outro lado do muro, o governo soviético, responsável pela administração da região, continuou empregando as lâmpadas mais obsoletas. E isso persiste até hoje, mais de duas décadas após a queda do muro.
Falando em sustentabilidade, dados recentes mostram que a produção de lixo na região da antiga Alemanha Oriental é menor que no resto do país.
Lixo produzido por cidadão.
Fonte: The Washington Post
Não se sabe ao certo o motivo disso. Segundo o Washington Post, os subsequentes problemas de distribuição de alimentos e a escassez dos mais diversos produtos nas prateleiras do lado soviético podem ter criado uma cultura de consumir somente o necessário, algo que persiste até hoje.
Outra hipótese é a própria renda per capita, que ainda hoje é menor na parte leste.
Renda per capita.
Fonte: zeit.de
Com a reunificação alemã, houve um “choque de capitalismo” nas empresas socialistas e muitas faliram em decorrência da ineficiência. Boa parte da economia da parte oriental não se recuperou até o momento e diversas áreas ainda sofrem com altas taxas de desemprego.
Muitos alemães orientais também não possuem carro de passeio. As taxas de carros de passeio por 100 mil habitantes variam entre 31 e 49% na região, enquanto do outro lado do país muitas áreas apresentam índices acima dos 105%.
Veículos de passeio.
Fonte: zeit.de
Até na religião as diferenças são evidentes. Um estudo recente chamado “Beliefs about God across Time and Countries“, divulgado pela NORC da University of Chicago, constatou que 52,1% dos moradores do leste identificam-se como ateus, em comparação com 10,3% da região oeste. A pesquisa foi incapaz de encontrar uma única pessoa com idade inferior a 28 anos no leste da Alemanha que acreditasse em Deus.
Infográfico
Além dos péssimos índices econômicos, a parte leste ainda tem sido palco de um curioso avanço do partido neo-nazista NPD. Ainda que as votações na legenda sejam insignificantes para mudar a estrutura política do país, a maioria dos votos são dos habitantes da parte oriental.
Junto com esse apoio massivo aos grupos radicais, a região do entorno de Berlim também apresenta um clima hostil a imigrantes. Dados mostram que a maior parte dos estrangeiros que vivem atualmente na Alemanha, ou estão em Berlim ou em alguma cidade da parte ocidental.
Ironicamente, mesmo com maior apoio a partidos tidos como de "extrema-direita", a população da parte Oriental tende a acreditar mais na ideia do socialismo que seus companheiros ocidentais.
De acordo com uma pesquisa conduzida pelo Zeit.de, o ideal socialista tem aceitação de 73% da população antes sob tutela da União Soviética. Do outro lado do antigo muro, a aceitação hoje permanece em torno de 46%. Entretanto, é interessante notar que houve uma fuga em massa dos jovens da parte socialista para o capitalismo após a queda do muro, em busca de melhores condições de vida.
As mudanças culturais provocadas pela União Soviética sobreviveram à queda do muro. Enquanto no lado capitalista as mulheres costumavam trabalhar como donas de casa, no lado socialista muitas engajaram em atividades fora do lar. Consequentemente, diversas creches foram construídas para acolherem as crianças enquanto as mães batiam cartão.
O hábito está presente até hoje na região. Enquanto na parte oeste existem grandes áreas onde sequer 16% das crianças estão sob cuidados de terceiros, ao leste os números variam entre 53% e 63%.
O hábito está presente até hoje na região. Enquanto na parte oeste existem grandes áreas onde sequer 16% das crianças estão sob cuidados de terceiros, ao leste os números variam entre 53% e 63%.
Outro fator que contribuiu para tornar a Alemanha Oriental mais velha foi uma queda na taxa de natalidade logo após a derrubada do muro.
Outro reflexo da socialização dos meios de produção que permanece até hoje entre os orientais é a presença de latifúndios.
Como as fazendas foram coletivizadas, a propriedade individual rural praticamente desapareceu e as pequenas propriedades foram fundidas em grandes extensões de terra, que eram gerenciados por grupos de fazendeiros. Apesar disso, 25 anos de capitalismo ainda não foram suficientes para reverter a situação e o latifúndio continua presente em praticamente toda a Alemanha Oriental.
Tamanho médio das fazendas em hectares
Fonte: zeit.de
Ainda que existam disparidades, a antiga Alemanha Oriental está experimentando uma fase de crescimento – e mesmo que numa taxa menor que seus vizinhos ao oeste (em 2010 a média de crescimento foi de 1,1% vs 1,5%), o capitalismo finalmente chegou depois de décadas de controle centralizado através do nazismo e do socialismo. Algumas empresas de tecnologia começaram a investir nas cidades do leste em busca de mão de obra barata e de talentos ainda não descobertos.
Talvez sejam necessários mais alguns anos até que a situação se normalize. Talvez as disparidades nunca sumam. Mas acima de tudo, uma coisa é certa: seus cidadãos agora dispõem do bem mais valioso de todos, a liberdade. O muro da vergonha virou pó.










