terça-feira, 8 de julho de 2014

Juizados de Pequenas Causas em risco

Por Maria Ines Dolci em sua
Postado em 30JUN2014

Salvem os Juizados Cíveis
A música do cantor cearense Belchior (lembram?) ilustra muito bem as ameaças que ocorrem, periodicamente, aos direitos dos consumidores: “Não cante vitória muito cedo, não. Nem leve flores para a cova do inimigo…” (“Não leve flores”). Pois é, defender o consumidor é como dirigir em trânsito intenso: a atenção tem ser contínua. Se bobear…

A mais nova investida é o Projeto de Lei 5741/2013, enviado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao Congresso Nacional, que cria a Turma Nacional de Uniformização da Jurisprudência dos Juizados Especiais Cíveis dos estados e do Distrito Federal. Talvez você não identifique, de imediato, o problema. Bem, os Juizados Especiais Cíveis foram criados por lei, em 1984, com o nome de Juizados de Pequenas Causas. Quase tudo que julgam se refere a questões de consumo. Uma das principais características desses juizados é a rápida tramitação da ação, sem necessidade de advogado, quando a causa não exceder 20 salários mínimos (R$ 14.480,00). São exemplos bem-sucedidos da Justiça com que todos sonhamos: reúnem as partes em litígio, ouvem os dois lados, apreciam eventuais provas e batem o martelo.


Arte de Jarbas


Mas, com uma futura Turma de Uniformização, esses processos poderão se arrastar por até mais um ano. Isso ocorrerá quando houver divergência entre juizados especiais cíveis dos estados em relação a um processo. É evidente que grandes grupos empresariais, que têm centenas de advogados qualificados e preparados para defendê-los, utilizarão essa brecha para empurrar a decisão com a barriga. 

Lamento que tal PL tenha sido aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados. Não vejo de que forma os cidadãos brasileiros ganharão com redução da autonomia e com mais lentidão nas sentenças hoje resolvidas em menos tempo do que na Justiça convencional. Nós precisamos de medidas que acelerem essas decisões, não o contrário.


Arte de Venâncio

Fico satisfeita em saber que houve vozes discordantes no STJ, de ministros que votaram contra a proposta. Espero que os deputados reconsiderem esta questão, e que não aprovem este PL. Somos um dos países mais avançados do mundo em legislação consumerista, devido ao Código de Defesa do Consumidor (CDC). Nossas entidades públicas e privadas são atuantes e combativas na defesa do consumidor. As relações de consumo, contudo, ainda são muito prejudicadas pela oligopolização da economia em diversas áreas. Poucas empresas detêm quase todos os mercados.

Não por acaso, a maioria das queixas dos consumidores tem como alvos as teles e os bancos. Duvido que, parodiando a música citada na abertura deste artigo, os clientes pretendam enviar flores a estas companhias. Também não deveríamos enviar flores a projetos assim. Com todo o respeito que o STJ e Câmara dos Deputados merecem, esse projeto é um retrocesso.


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Chama a minha atenção o fato de que os Juizados de Pequenas Causas foram criados para desburocratizar a Justiça quando o Brasil ainda não era uma democracia. Não podemos apequená-los em um período no qual votamos em todos os níveis para escolher nossos representantes no Legislativo e no Executivo. 

Que se elaborem, então, propostas e projetos para que casos de trânsito sejam julgados no máximo em algumas horas, como em outros países. Para que um homicida confesso, com crime cometido por motivo torpe, não leve uma década para começar a cumprir pena, pela postergação eterna do veredito irrecorrível. 



Os Juizados Especiais Cíveis deveriam, isto sim, receber mais apoio e se multiplicar em cada localidade do país, pois são das melhores instituições nacionais. Tenho certeza de que nossos parlamentares não condenarão estas instituições à irrelevância.