segunda-feira, 23 de junho de 2014

Deus e o diabo na terra do sol

Por Antônio Ribeiro.
Direto de Paris
Postado em 28ABR2014

A imagem que ilustra este post poderia ser a paródia do cartaz de “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, filme do baiano Glauber Rocha. No entanto, trata-se apenas do registro de uma cena ocorrida na manhã da quarta-feira, 21 de janeiro de 1998, durante encontro entre dois influentes personagens do século XX. João Paulo II, canonizado pelo catolicismo, e Fidel Castro, louvado por fiéis da paróquia comunista e adjacências.
O autor da fotografia se obrigou madrugar às cinco horas da manhã para ocupar posição central no tablado reservado à imprensa. Mais especificamente no ponto em que, através da objetiva Canon de 600 milímetros pesando quase 4 quilos, se via exatamente o meio do tapete vermelho, estendido na pista do Aeroporto José Martí, em Havana. Mas a motivação para saltar da cama e pular o café da manhã surgiu antes. Ela veio de uma leitura.
Em 1977, o jornalista Tad Szulk, biografou tanto o conterrâneo Karol Wojtyła quanto o ditador cubano, escreveu que Fidel e João Paulo II tinham traços comuns: o dom da oratória e a aguda sensibilidade pela dramaturgia. Isso porque, segundo o veterano jornalista do New York Times, ambos eram atores natos. Porém, naquela manhã, sobre a prova do sol claro e forte, até o contraste dos trajes opunham as duas figuras.
No seu discurso de boas-vindas Fidel chegou a comparar os cubanos aos cristãos da Antiguidade, perseguidos pelo Império Romano. Na versão do ditador, naturalmente, o império era os Estados Unidos da América. Escolado em casa, João Paulo II ouviu a lorota. Quando tomou a palavra, João Paulo II agradeceu ao “Senhor da História” por ter mantido a presença cristã na ilha durante mais de 500 anos desde Cristóvão Colombo. Incluído aí, os momentos em que o contingente de mensageiros da pastoral se arrefeceu.
O tempo passa com um piscar de olhos. Na imagem que ilustra este post, o dedo em riste foi se tornando menos eloquente. Hoje, o olhar do papa fala bem mais. Fidel fez o que pôde para disseminar o seu credo. João Paulo II contribuiu para colocá-lo no devido lugar, o anacronismo. E com tamanho real, a insignificância.
Nenhum dos atores levou o Oscar da  Academia de Artes e Ciências Históricas. João Paulo II, no entanto, arrebatou a  admiração da vasta maioria do público ainda que tenha atuado em menor tempo e deixado o palco primeiro.