quinta-feira, 19 de abril de 2012

VIVENDO DE PASSADO: VIVA O MINISTRO



Por André Carvalho (*)                                                                                       em 29 de março de 2012
 VIVENDO DE PASSADO: VIVA O MINISTRO.
Salvo engano, foi através da revista Veja que soube do lançamento “post mortem” do livro de Mário Henrique Simonsen, contendo críticas operísticas, e escrito pouco antes de ser acometido pelo mau que o vitimou. Simonsen, além de outras tantas competências, era profundo conhecedor de música erudita, principalmente as óperas, área que dominava como poucos.

Enquanto esteve em Brasília, exercendo os cargos de Ministro da Fazenda e do Planejamento (1974 a 1979), Simonsen foi cliente da Ópera Studio, loja de equipamentos de áudio da qual fui sócio, e se transformou em nosso melhor cliente, pessoa física.

Em época de “lupis, palocis, orlandos e nascimentos”, lembrar Mário Henrique Simonsen é, ao mesmo tempo, bálsamo e martírio. Martírio pela inevitável comparação com os políticos e burocratas de hoje. Bálsamo por acreditar que ainda existem cidadãos de tal envergadura e decência dispostos a conduzir os rumos da nação.

Exigente com a qualidade do áudio o ministro comprou, em nossas mãos, dezenas de equipamentos, não apenas para seu uso como também para presentear amigos e nubentes.

O mais interessante e exemplar é que jamais, e vale repetir o jamais, pagou qualquer das compras com dinheiro públicoverba de gabinete, verba de representação ou qualquer outra forma de empenho nem mesmo quando adquiriu equipamentos para a residência oficial a que tinha direito enquanto ministro. Pagava com cheques emitidos contra suas contas pessoais, quer seja no Banco do Brasil, quer seja no Banco Bozano Simonsen.

Freqüentava a loja no início da noite sem qualquer protocolo e com apenas um segurança ou ajudante de ordem discreto e distante. Ligava antes, claro, para garantir que lá estivéssemos com as portas abertas e com o talão de nota fiscal a postos, pois de lá nunca saía sem comprar algo: uma boa agulha, no mínimo! Os mais jovens estou falando de 35 anos atrás desconhecem a importância de uma agulha magnética na qualidade final do som. A Shure V15, por exemplo, custava algo como mil e quinhentos dólares, uma pequena fortuna na época! Simonsen não abria mãos de usá-las, bem balanceadas, em seus dois “pick-ups direct drive”. Era um “expert”!

O episódio mais interessante em nosso relacionamento comercial ocorreu quando lhe indicamos e, óbvio, vendemos, um potente e sofisticado “sistema” de amplificação, mixagem e caixas de som produzidos, artesanalmente, em Benfica, zona norte do Rio de Janeiro. A título de esclarecimento, “sistema” era uma expressão usual, naquela época, para definir o conjunto de equipamentos de som.

A instalação do “sistema” foi marcada para um final de tarde, e o ministro somente chegou por volta das dezenove horas, sentando-se numa poltrona próxima a nós, cigarro aceso, esbanjando como sempre simpatia e bom humor. Durante a conversa, veio à tona, não lembro o porquê, a figura de outro ministro, nordestino de nascimento, recém empossado no cargo e também cliente da Ópera Studio desde quando presidia o Senado Federal. Simonsen não perdoou e com sua voz de barítono nos disse algo semelhante a: “esse ai só deve ouvir xaxado”. Ato contínuo abriu um largo sorriso ao qual nos juntamos porque havia algo de verdadeiro no gracejo.

Na manhã seguinte, bem cedo, recebi uma ligação de meu caríssimo cliente dizendo haver um grave problema no “sistema”. Disse-me o ministro, que o som dos violinos parecia estar mais forte no lado direito e não no lado esquerdo, como era de se esperar. Claro que não entendi de pronto a queixa, mas prometi rever, naquela mesma manhã, todo o equipamento.

Acompanhado por um competente técnico fui à residência do ministro para identificar e sanar o “grave” problema. De fato, havíamos trocado numa das conexões os cabos de áudio, conectando o “plug left” no canal direito e o “plug right” no canal esquerdo. Não há sinfônica que resista a tão sutil problema, menos ainda um ouvido apurado e um cérebro privilegiado como o de Mário Henrique Simonsen.

Bons tempos, aqueles!!!

(*) André Carvalho não é jornalista, é "apenas" um cidadão que observa as coisas do dia-a-dia. Um free lancer. Ou segundo sua própria definição: um escrevinhador. Seus sempre saborosos textos circulam pela web via e-mails.