quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Dom João

Por André Carvalho (*)
em 29 de novembro de 2011




DOM JOÃO
Desta vez o público, o privado e o mais que privado se emaranharam e compuseram uma das páginas mais escalafobéticas da política baiana. Não há como fugir do arguto Otávio Mangabeira que sentenciou com propriedade: “pense num absurdo. Na Bahia tem precedente”.

O tema do conclave – melhor dizendo, o mexerico da vez – foi uma traição, familiar e política, quesito, este último, em que a Bahia lidera desde que um de seus próceres, famoso e traiçoeiro, aqui fez escola. Para constatar o que digo acerca das traições, compare o cenário político atual ao de cinco, dez anos passados. Tem gente que se sentou no colo do diabo e que hoje incensa deus, ou vice versa, posto ser difícil identificar quem foi ou é deus ou o diabo...

A aleivosia comentada a seguir foi denunciada na sessão ordinária (ordinaríssima, aliás) de 16 de novembro passado da Assembleia Legislativa do Estado e tem um caldo sexo-político-familiar há muito especulado. Vamos ao enredo: uma deputada, até há pouco esposa do prefeito da cidade do Salvador que, registre-se, é irmão de um deputado federal e filho de um senador que já foi governador – lembrou das capitanias hereditárias? – foi à tribuna do plenário da casa, durante a sessão em que se buscava quorum para aprovar a lei orgânica da cultura do Estado, para, num discurso eloquente, capaz de atrair deputados que jaziam nos gabinetes ou se divertiam no cafezinho, anunciar sua separação conjugal.

Preste atenção porque a história é curiosa: diz a nobre deputada que a separação não se deveu, como afirmam os maledicentes, por haver traído o prefeito com um jovem soldado da Polícia Militar lotado no palácio – como os palácios andam lotados, hein? – e sim, por haver sido traída pelo marido prefeito – favor não confundir com perfeito – amasiado há mais de ano com a subsecretária de saúde da prefeitura. Percebeu como a coisa é intra-palaciana além de sexo-político-familiar, mas que não deixa de ser cultural, apesar de não se configurar como lei orgânica?

A história surpreende porque ninguém imaginava que o prefeito João Henrique, com aquele seu jeito biombo de ser – alto, largo, todo por um e desprovido de graciosidade – armasse uma coisa dessas. O interessante é que o povo soteropolitano pode alardear que, ao menos no campo da sexualidade, temos um grande prefeito. Pensando bem, “Joaozão” é um “show” se comparado à Clinton e sua estagiária feiosa, ao Berlusconi e suas caras prostitutas juvenis ou mesmo ao francês do FMI com sua camareira afro-descendente. Penso que “Henricão” só perde para John Kennedy e a bela Marilyn Monroe.

Opa! Esqueci o senador Renan Calheiros e a posuda amante subvencionada por empreiteiros.

Outra coisa: visto sob o prisma estético facial a troca foi vantajosa para o prefeito, apesar de não se poder garantir que a foto da possível amante municipal, divulgada pela imprensa, foi ou não retocada, tanto quanto aquelas que abundam nas revistas masculinas.

A verdade é que num típico figurino novelístico mexicano a suposta do prefeito enverga certo charme cinquentão – pode até não tê-los, os anos – e durante tempos foi sua cardiologista particular. Penso que de tanto auscultá-lo percebeu haver ali, naquele peito, um bom coração, ainda não safenado, mas infeliz e potencialmente traquinado, impudente. Já o Joãozinho, a cada bombada do tensiômetro mágico, inflava veias, artérias e ego, de sorte que foi uma sorte tudo isso acontecer, ao menos para a população de Salvador.

Tá bom, explico mais uma vez: juntos, a deputada e o prefeito angariaram um “estranho” poder se comparado às suas realizações. Talvez o evangelismo de ambos, nem sempre praticado com o recato comum aos crentes, possa explicar tamanho eleitorado. Separados e, ao que tudo indica, inimigos mortais, espero, pelo bem da cidade onde resido, que os dois ou três, ou mesmo quatro, quem sabe cinco personagens da trama, se arrebentem nos quintos dos infernos, ou nos subterrâneos do palácio, ou ainda, nas camas dos motéis.

Se Glauber Rocha estivesse conosco poderia filmar, com trilha sonora do Arrocha, “As deusas e os diabos sob o sol duma terra em transas”.

(*) André Carvalho não é jornalista, é "apenas" um cidadão que observa as coisas do dia-a-dia. Um free lancer. Ou segundo sua própria definição: um escrevinhador. Seus sempre saborosos textos circulam pela web via e-mails.