domingo, 27 de novembro de 2011

As féculas de Montenegro

Por André Carvalho (*)
em 20 de novembro de 2011
btreina@yahoo.com.br





AS FÉCULAS DE MONTENEGRO
Por vezes é doloroso acompanhar os trabalhos legislativos, sobretudo aqueles executados por parlamentares federais, deputados estaduais e vereadores. Cito-os, explicitamente, por uma questão de justiça para com o pessoal do cafezinho das casas legislativas que continua dando provas de competência e seriedade, exceto um ou outro mais bem aquinhoado no critério do apadrinhamento e que, por conta disso, relapsa no horário e na mistura do pó. Não fique aí pensando bobagens com relação à mistura do pó. Quando falo do pó refiro-me ao do café, o pretinho, nada a ver com o outro, o branquinho, consumido mais às escondidas.

Não é cabível falar do cafezinho sem trazer à tona seu parceiro em tantas bocas, o pãozinho. No Rio de Janeiro e adjacências ele é chamado francês, enquanto na Bahia, e penso que somente aqui, é tido e havido por cacetinho. Vá explicar a denominação do pão nosso de cada dia baiano aos cariocas ou, franceses e, certamente, cairemos na gargalhada quando não no ridículo. O que interessa é que a receita, de um e de outro, – falo dos pães – em nada difere.

Pois bem! Num bravo trabalho de pesquisa que deve ter consumido centenas de horas de sono o deputado estadual Mario Negromonte Junior, filho do proeminente porém oscilante Ministro das Cidades, apresentou na Assembléia Legislativa do seu Estado, a Bahia, projeto de lei que obriga a adição de 10% de fécula de mandioca na farinha de trigo que compõe o pão cacetinho.

A grita foi geral. O presidente do Sindicato da Indústria de Panificação da Bahia considerou a proposta inconstitucional, pois, no seu entender, atenta contra a livre iniciativa. Pari passu, o deputado federal José Nunes chamou para si a paternidade da proposta lembrando projeto semelhante que apresentou à mesma Assembléia, em 2007, quando exercia um mandato.

Veja como a fécula da mandioca é estratégica. Negromonte Junior garante que seu uso traria, ao Estado da Bahia, uma economia de até duzentos milhões de reais/ano, o que, no universo da corrupção – a isto ele não se referiu – significa uma bela grana caso role um percentualzinho do lucro. A ideia do nobre deputado deve ser “coisa” de raiz, pois, na terra das maiores minorias a raiz é sempre colocada na cesta das transversalidades, o que quer que tudo isto signifique...

Se perguntar não ofende, pensar ofende menos ainda. Lembrando meu avô Lulu Parola, que, em 1913 escreveu num de seus inúmeros sonetos deixo correr a pena no abandono, o que afinal, é próprio do país ponho-me a “parolar”: já imaginou se outro deputado “de raiz” apresentar projeto semelhante adicionando doze a dezenove por cento de fécula de inhame à massa do acarajé e do abará? Matutemos juntos: e se outro eleito pelo voto soberano do povo propuser 22,5% de fécula de batata doce na massa do vatapá ou, quem sabe, 18% de raspa de nabo no esparregado dos quiabos do caruru?

Ideias, muitas ideias! Não somente legislativas. Penso que o nobre deputado se espelhou no poderoso governo central, aquele lá de Brasília, que, a depender de uma coisa ou outra, adiciona ou retira álcool à gasolina em percentuais que variam segundo necessidades ilógicas para os atarantados consumidores. Uma coisa é certa: o Inmetro e a Anvisa terão um trabalho arretado com tantos percentuais e misturas, caso optem por exercer suas obrigações.

O filho do ministro garante que a fécula da mandioca não contém glúten e atua como diluidor do glúten presente no trigo, além de não alterar o sabor do pão. Ah sim, agora entendo: o culinário deputado cientista quer, única e exclusivamente, cuidar da saúde de seu amado povo baiano, sem lhe alterar o prazer advindo do sabor. Interessante isso!

Tenho uma proposta que me parece fecunda: que tal a secretaria de turismo do estado, pensando em outros duzentos ou mais milhões de lucro, criar um pacote turístico chamado féculogastronômico usando o mote saúde e sabores garantidos, ou seu dinheiro de volta?

Tem gosto para tudo, não é verdade?

(*) André Carvalho não é jornalista, é "apenas" um cidadão que observa as coisas do dia-a-dia. Um free lancer. Ou segundo sua própria definição: um escrevinhador. Seus sempre saborosos textos circulam pela web via e-mails.