Tudo se arruma com uma única reforma
Mais uma safra de desgraças. Mais uma safra de frustrações.
A TV mostrou ontem (18.01) que ha 115 mil pessoas vivendo em áreas de risco somente na Grande São Paulo, segundo mapeamento minucioso feito pela Prefeitura.
115 mil!!!
E a serra carioca então? Virou, inteira, uma constelação de favelas, como o resto do Rio; como o resto do Brasil. Igualzinho ao que está acontecendo em toda a Serra do Mar aqui em São Paulo. Os “sertões” das praias do Litoral Norte, que vieram de Cabral até aqui mais ou menos com a mesma cara, nos últimos 10-15 anos, vão tomando os ares miseravelmente caóticos das “Rocinhas” da vida.
A extensão da desordem, por si só, já fornece a desculpa para as mortes dos próximos muitos verões. Como remover tudo isso até o próximo?
arte de Ivan Cabral
Como remover isso um dia, qualquer que seja, se as “autoridades” com a atribuição de faze-lo são as mesmas que muitas vezes lideraram e, em todos os casos, sancionaram essas invasões das áreas de risco?
Reconfirmada a nossa impotência como cidadãos, lá vai o Brasil de novo, entrando na senda do conformismo.
As TVs “enlatarão” a emoção da desgraça da hora enquanto durar a curiosidade sobre ela, mas basta o sol voltar a brilhar e o carnaval ocupar as telinhas com suas bundas tremelicantes para que também os cadáveres da Serra do Rio sejam esquecidos.
Afinal, tudo, no Brasil, está torto e precisa ser endireitado. É coisa demais! Desanima qualquer um!
O jeito é “ligar o foda-se” e seguir adiante, cada um por si, porque a vida é uma só. Se a gente for esperar o Brasil mudar, não vive.
Soa familiar? Esse raciocínio já lhe passou pela cabeça? Não é atoa!
Mas eu insisto: essa impressão é um engano.
As vidas perdidas, as mutilações, as felicidades roubadas em função das enchentes, do mau estado das estradas, das fugas e assassinatos dos “indultados” de cada Natal; a roubalheira desenfreada das vésperas de eleição, a corrupção policial, o crime organizado, a indústria do achaque contra quem trabalha, o descalabro dos hospitais e da educação públicos, a irracionalidade dos impostos que nos empobrecem a todos, tudo isso e muito mais é fruto da mesma distorção original e só pode ser corrigido por uma única e solitária reforma: o fim da impunidade no topo da cadeia de comando.
Tentar eliminar, um por um, todos os efeitos da força que entorta todo o sistema político brasileiro é tarefa impossível. Mas se cada um “deles”, cada um dos que têm o poder de nomear e a obrigação de agir, souber que pode ser sumariamente demitido, ter sua carreira encerrada e se ver em apertos de fato com a Justiça a qualquer momento por “dá cá aquela palha”, como se dizia antigamente, aí o problema passa a ser deles. Então – e só então – eles passarão a jogar a seu favor. E, rapidinho, tudo isso se corrige como num passe de mágica.
Porque exatamente como acontece com a impunidade, a responsabilização também só funciona em cadeia.
O fiscal da prefeitura só proibirá construções em área de risco e tratará de fazê-lo antes que seja tarde se ele souber que o surgimento de uma única e solitária construção numa área de risco já implicará, imediata e inapelavelmente, na sua demissão, no fim da sua carreira e, possivelmente, em mais que isso em alguma penitenciária do Estado (se ele tiver sido pago para fechar os olhos).
O fiscal só será inapelavelmente demitido diante do surgimento de uma construção em área de risco se o Secretário que o nomeou for inapelavelmente demitido se não demitir seu subordinado num prazo previamente estabelecido sempre que ele for flagrado em delito.
E o Secretario só será liminarmente demitido se tergiversar com os erros e falcatruas dos seus fiscais se o Prefeito que o nomeou for sumariamente demitido toda vez que tergiversar com os erros e as falcatruas dos seus Secretários.
A mesma coisa vale para governadores e presidentes da Republica.
Mas prefeitos, governadores e presidentes da Republica só podem ser sumariamente demitidos quando tergiversarem com as falcatruas e ilegalidades praticadas por seus subordinados se os representantes eleitos pelo povo nos legislativos forem sumariamente demitidos toda vez que fizerem vistas grossas para os flagrantes de ilegalidade dos membros do Poder Executivo que eles são pagos para fiscalizar e, quando for o caso, “impedir” (de “impeachment”).
Libere qualquer um deles da ameaça de demissão a qualquer hora e por qualquer motivo que o eleitor achar suficiente, e você estará liberando todos. Impunidade ou responsabilidade são como gravidez. Não existem pela metade. Ou valem para todos ou não valem para ninguém.
Os Estados Unidos quase acabaram, no final do século XIX, roídos pela corrupção de políticos que suas instituições não tinham força para alcançar e punir. Inventaram, então, o voto distrital, para definir quem representava quais eleitores, e deram a esses eleitores a prerrogativa de “reconvocar” (recall) seu representante por simples “quebra de confiança”, ou seja, sem necessidade de especificar a razão.
Basta circular uma lista pelo distrito eleitoral. Se 5% ou mais a subscreverem (o numero varia de Estado para Estado), convoca-se nova eleição que derruba ou reconfirma o cara. Isso vale para qualquer funcionário eleito. E lá quase todos os que têm funções executivas, de policiais a professores, de vereadores a presidentes da Republica, passando por tudo que está no meio, o são.
Isso reduziu a roubalheira e a ineficiência a limites jamais alcançados por qualquer outra sociedade moderna, pôs os legisladores fazendo leis a favor do povo e não de si mesmos e fez daquele país a maior potencia do mundo.
A discussão lá, hoje, é em torno do direito de eleger e cassar também os juízes de direito.






