domingo, 15 de agosto de 2010

Quando a sauna mata...

Pilordianos, há alguns dias tomamos conhecimento da existência de um campeonato mundial de saunas e da morte de um dos participantes e internação com queimaduras graves do "campeão".

Em todos os sites que li sobre o assunto falavam superficialmente do acontecimento, citando apenas o óbito, a internação e a bizarrice dessa disputa.

Em nenhum deles achei maiores detalhes dessa "cultura" até que deparei-me com este artigo da Sandra Paulsen, baiana de Itabuna e que vive na Suécia, país que enviou representantes para a disputa desse mundial.

Texto de Sandra Paulsen - sob a rubrica Cartas de Estocolmo - para o blog do Noblat


Pode vir quente...
Você pensa que só as touradas, recentemente proibidas na Catalunha, são loucura?

Pois bem. O Campeonato Mundial de Sauna deste ano terminou em tragédia. Um dos finalistas, o finlandês Timo Kaukonen, está hospitalizado, com 70% do corpo queimado. O russo, Vladimir Ladysjenskij, seu maior competidor, faleceu logo depois da prova, no sábado à noite.

Todos os anos, desde 1999, acontece, na cidade finlandesa de Heinola, o Campeonato Mundial de Sauna. Na competição, a temperatura de base da sauna é de 110 graus centígrados, e a cada 30 segundos, joga-se meio litro de água nas pedras, para aumentar a quantidade do vapor quente. Quem aguentar permanecer dentro daquele forno por mais tempo, leva para casa o título.



Este ano, o finlandês não quis deixar que outro país vencesse. Aguentou o calor durante 6 minutos. O russo quis enfrentá-lo e acabou morrendo, sob os olhares confusos de juízes e da equipe de socorro, que acompanhavam a competição pela janela.

Os dois homens avisavam com o polegar para cima que queriam continuar. Quando os juízes interromperam a prova, já era tarde demais. Não há suspeita de crime, já que os competidores participam por sua própria conta e risco, mas a polícia está investigando a tragédia.


Sete suecos participaram da prova, que contou com 114 competidores do sexo masculino e 21 mulheres, na prova feminina. Os competidores vieram de quinze países.



Tomar sauna é um costume que vem dos gregos antigos. Mas a própria palavra sauna vem da Finlândia, onde há indícios de que o povo já tomava banhos de vapor quente há mais de dois mil anos. Hoje, naquele país, existem cerca de 2 milhões de saunas em funcionamento, para 5,5 milhões de habitantes. A quantidade de saunas na Finlândia é a mesma de automóveis circulando no país.

Segundo a tradição finlandesa, é no solstício de verão e durante os meses de julho e agosto o melhor momento para preparar os feixes de cheirosas folhas de bétula que servirão para massagear-se e estimular a circulação na sauna, durante o ano inteiro.

Se, no Brasil, ter uma sauna em casa é sinal de riqueza e sofisticação, na Suécia, como na Finlândia, tomar sauna é uma verdadeira mania nacional. Em sueco, a palavra para sauna é bastu, abreviação de badstuga, ou casa de banho. Diz-se que há, por aqui, cerca de 275 localidades com sauna no nome, como por exemplo Bastuberget, Bastuträsk, Bastufjärden, Bastuliden, entre outras.

 

Não sei se é lenda, mas ouvi dizer também que em 1725 a sauna foi proibida na Suécia, já que acontecia de tudo nas famosas casinhas onde as pessoas, invariavelmente, tomam sauna nuas até hoje. De qualquer forma, em algum momento o pessoal parece ter-se esquecido da proibição...

A sauna, aqui, é o lugar por excelência para o relaxamento. No verão ou no inverno, o sueco adora uma sauna e o ritual de aquecer-refrescar-relaxar!

Eu não sabia que os famosos banhos de vapor quente eram tão comuns aqui. Ao chegar, no meu primeiro aniversário em Estocolmo, recebi uma hora de sauna de presente de duas conhecidas. Só não recebi as explicações necessárias. Confesso que foi meio chocante entrar no banheiro público do Centralbadet e ver aquela quantidade de mulheres de todas as idades, relaxadas, curtindo seu banho, peladinhas da silva.

Outra experiência, mais típica, é a da sauna no campo ou à beira-mar. Você se senta lá quietinha(o), e, quando já está fervendo, sai correndo e pula diretamente na água do mar, do rio ou do lago, nu em pelo.

Só, meu amigo, que mesmo no verão daqui, a água é gelada como em nenhuma piscina nossa, posso garantir!


Agora o mais interessante, mesmo, é o banho de sauna no inverno. Ainda não tive coragem de provar, mas tem um aqui, pertinho de casa, no Hellasgården. As pessoas entram na sauna e saem para pular diretamente em um buraco no gelo do lago congelado. Um amigo polonês, que é assíduo frequentador, nega, mas eu desconfio que o ritual deva ser acompanhado de muita vodca. Do contrário, quem aguenta?

Uma variante mais suave é a do banho quente ao ar livre, na neve. Provei uma vez, a quatro mil metros de altitude, nas montanhas do Chile. E voltei a provar no norte da Suécia, em Laisaliden. Recomendo!



De qualquer maneira, é uma pena que um costume tão gostosinho seja levado ao exagero, numa competição tão estúpida como a de Heinola. Os organizadores juram de pés juntos que o Campeonato Mundial está acabado e que não volverá a se repetir. Pelo menos não organizado por eles.

Resta-nos agora outras formas esdrúxulas de autodestruição, como as competições para ver quem toma mais água (na Califórnia, nos Estados Unidos), quem come mais panquecas (na Rússia), ou quem bebe mais álcool a 50% (nos barcos entre Helsinki e Estocolmo), todas elas coroadas por uma tragédia fatal, nos últimos anos.



Sandra Paulsen, casada, mãe de dois filhos, é baiana de Itabuna. Fez mestrado em Economia na UnB. Morou em Santiago do Chile nos anos 90. Vive há mais de uma década em Estocolmo, onde concluiu doutorado em Economia Ambiental. Escreve no Blog sempre às sextas-feiras.

Na seção  Articulistas encontrarão outros textos de Sandra Paulsen, também transcritos do blog do Noblat.