segunda-feira, 26 de abril de 2010

Zelão, por André ...



Por André Carvalho (*) em 18 de abril de 2010
btreina@yahoo.com.br

Publicado no jornal A Tarde em 23 de abril de 2010




Zelão
Não sei se o desalento me permitirá fazer uma correlação, por mais frágil que seja, ligando os tristes desmoronamentos ocorridos semana passada, no Estado do Rio de Janeiro, à falta de sensibilidade que impera, e não é de hoje, na análise e na condução das questões sociais no Brasil.

Em mil novecentos e sessenta – portanto, há cinquenta anos – um cidadão de nome artístico Sérgio Ricardo compôs e gravou sua música de maior sucesso, cuja letra, de extrema beleza por mais contraditório que pareça, descreve o drama que hoje acompanhamos em imagens coloridas e entrevistas televisivas, maldosamente emocionadas:
Choveu, choveu / a chuva jogou seu barraco no chão / nem foi possível salvar o violão / que acompanhou morro abaixo a canção / das coisas todas que a chuva levou / pedaços tristes do seu coração”.

Todo o morro entendeu / quando Zelão chorou / Ninguém riu, ninguém brincou / e era carnaval”.
Desde então, contando a junta militar de 1969 – o golpe dentro do golpe – o Brasil teve dezessete presidentes da república e uma infinidade de governadores e prefeitos, impostos ou eleitos, de direita, de centro e de esquerda, cultos ou incultos, civis e militares, nordestinos ou não, alguns honestos.

Pelo visto, a todos faltou sensibilidade para entender que o drama de Zelão se multiplicaria, dia após dia, em cada cidade, em cada encosta, em cada morro e a cada gravidez e parto inconsequente que a Igreja Católica insiste em referendar.

Os mortos e os desabrigados de agora, que repetem Santa Catarina de dois mil e oito e Angra dos Reis de janeiro próximo passado, repetem também centenas de outras tragédias ocorridas ao longo dos anos e atestam que a simples elaboração de leis ou distribuição de bolsas, cotas e slogans não resolve, como fazem crer os poderes constituídos, as mazelas acumuladas ao longo do tempo. É uma questão de sensibilidade, ou, mais especificamente, de sua ausência.

Falta sensibilidade ao poder público. Por vezes, me parece faltar sensibilidade à nação brasileira, em sua “macro” e em sua “micro” composição.
Não vi, nos inúmeros telejornais que acompanhei, lágrimas do Governador do Estado do Rio de Janeiro, jorrando tal qual jorraram, há pouco mais de trinta dias, pela perda de royalty petrolífero para sua “capitania”. Nem sei se, num Estado onde cidadãos, carros e bandidos são explodidos por granadas, a morte seja capaz de motivar as lágrimas governamentais.
Também não vi o Ministro da Defesa, Dr. Nelson Jobim, visitar consternado as áreas atingidas como fez no Haiti, pós terremoto, vestido em traje militar camuflado para despertar a atenção da imprensa e dos incautos.
Trago o governador do Rio de Janeiro e o Ministro da Defesa como meros exemplos! Poderia trazer outros tantos, inclusive o Prefeito de Salvador, cidade que passa, por conta de sua superior inabilidade, momentos de pavor. Aliás, não é de todo desajuizado o uso do adjetivo “mero” quando se trata da classe política brasileira.

O Zelão de Sérgio Ricardo apregoa a certa altura que “um pobre ajuda outro pobre, até melhorar”. Será que nossos políticos, ao longo do último meio século, se apoiaram aí, nessa solidariedade poética, capaz de motivar um samba enredo, mas incapaz de estabelecer condições dignas de vida? Será que entenderam não ser necessária a ação do estado onde há solidariedade entre os homens? Ou jamais escutaram Sérgio Ricardo?

Alguém duvida da falta de sensibilidade?
Em Pernambuco, terra natal do atual presidente da república, que tenta eximir-se de culpa, mas que é tão responsável quanto os demais, enterram-se os mortos cantando assim:
“Uma incelença entrou no paraíso
Uma incelença entrou no paraíso
Adeus, irmão, adeus
Até o dia de juízo
Adeus, irmão, adeus
Até o dia de juízo”

Se houver o juizo final sobrarão sanções Divinas!
(*) André Carvalho não é jornalista, é "apenas" um cidadão que observa as coisas do dia-a-dia. Um free lancer. Ou segundo sua própria definição: um escrevinhador. Seus sempre saborosos textos circulam pela web via e-mails.