quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Farol da Barra X Copacabana: um testemunho.

Texto do jornalista Zé de Jesus Barreto, publicado na Coluna Opinião, pagina A3, do Jornal A Tarde, em 16/08/09.

Colaboração de Gilvan Quadros.

Qualificar não é vender
Em afazeres, passei três dias hospedado num hotelzinho em Copacabana e danei-me a matutar acabrunhado. O bairro da afamada praia continua aconchegante. Moradia, serviços e turismo. Corresponderia, mal comparando, à nossa Barra de tanta história. A grande diferença nem é a beleza, lá e cá magníficas. O xis é a tal urbanidade.

praia de Copacabana

Copacabana é limpa, civilizada e segura. Anda-se pelas avenidas e calçadões sem o assédio de pedintes e vendedores, sem tropeçar em drogados pelo chão, sem engradados, isopores, lixões, fogareiros, tabuleiros, mau cheiro. Nada de barraca, mesa, tamborete ou cadeira sobre a areia. Os quiosques, asseados, ficam sobre as calçadas, espaçados, com cardápio e atendimento decentes, proteção do sol e total visão do mar.
Nenhuma caixa de som, samba ou pagode na rua. Não vi um só carro com fundo aberto aos berros. Nos calçadões, áreas bem delimitadas para caminhada e ciclistas. Idosos passeiam à noite. Policiamento eficiente e discreto. Há locais definidos na praia para o vôlei, futevôlei e frescobol, com redes de proteção para que banhistas não tomem boladas. Chuveiros, sanitários decentes e sem bafo, guardavidas em locais bem visíveis...
Enfim, serviços sem bagunça e todos cientes dos limites da sadia convivência humana. Enquanto andava, apreciando as coisas, vieram-me lembranças de nossa cidade, Mãe Preta tão maltratada.
Da esculhambação que é hoje o Porto da Barra, os shows inconcebíveis diante do Farol, a arriscada zona de prostituição que se tornou o bairro, à noite. Perguntei-me a quantos verões vivemos o impasse da tal “reforma” da orla atlântica com aquelas barracas, pardieiros vergonhosos.

praia do Porto da Barra (foto antiga)
farol da Barra (foto antiga)

Recordei-me então do deprimente passeio que ousei, numa tarde de sábado, entre a Sereia e o acarajé de Cira, em Itapuã.

O barulho absurdo dos sons embolados saídos de cada barraca; a sujeira, o fedor de marisco passado, a barreira de engradados, das paredes encardidas dos “restaurantes” gradeados e bodegas imundas que tapam a visão do mar; os andantes tropeçando no lixo, driblando tamboretes, mesas e cadeiras sobre a calçada esburacada; o assédio por trocados a cada passada; a Praça Dorival Caymmi atulhada de camelôs, a igrejinha fechada, por medo e tristeza.
praia do Farol da Barra, hoje


a Sereia (foto antiga)
O baiano “véi” quedou-se cabisbaixo: o que estão fazendo com a cidade amada? Em tempo, senhores do poder: requalificar a cidade não significa “vender bem” a Bahia para os de fora. Não será com provas de Stock Car ou F-Indy que vamos dignificar Salvador.
Refiro-me a cuidados mínimos com a urbe, atenção à história, patrimônio e cultura do povo. Civilidade, respeito humano, educação, qualidade de vida. Cidadania! A Mãe Preta merece. Seus filhos carecem.

Revendo Copacabana compreendo o porquê de o Rio, mesmo com a evidente desigualdade e a violência localizada das gangues, continuar como o maior polo turístico do Brasil.

Nota do Pilórdia: E pensar que recentemente, esse pequeno pedaço do paraíso foi eleito pelo jornal inglês The Guardian como a terceira praia mais bela do mundo.