quarta-feira, 15 de julho de 2009

Novo colaborador > Adônis Mello

EUA e a crise econômica
cartum de zé do quiabo

Por Adonis Mello (*).
Nem o escambau salvou meu Camry
Ah, como eu gostava do meu Toyota Camry. Não era considerado um carro potente para os padrões americanos, mas seus 115 cavalos davam perfeitamente conta do recado. Tanto é que o Camry tem sido o carro de passeio mais vendido nos Estados Unidos nos últimos 7 anos.
Não tive dúvida quando, ao terminar minha pós-graduação em Vermont, no final de 2003, desembolsei US$300 para adquirir aquele que viria a ser o meu primeiro bem durável na terra de Tio Sam: um Camry LE azul, ano 1991.
Apenas 131 mil milhas no odômetro (algo em torno de 209 mil quilômetros), o que, para os padrões de qualidade de um Toyota, não significa muita coisa. Como diriam os vendedores de latas-velhas da Feira de São Joaquim, (em Salvador) meu Camry estava “durinho”, à exceção da janela do motorista, que não funcionava, e a parte externa do monobloco, que estava completamente enferrujada, devido aos longos e rigorosos invernos de New England, aquela parte dos Estados Unidos onde os primeiros colonos aportaram, constituída pelos Estados do Maine, New Hampshire, Vermont, Massachusetts, Connecticut e Rhode Island.
Como vim a descobrir logo cedo, para tornarem suas ruas e rodovias transitáveis durante o inverno, as cidades e condados de New England espalham caminhões e mais caminhões de uma mistura formada de sal e areia: sal para derreter o gelo e areia para aumentar a aderência dos pneus ao asfalto.
Todos nós sabemos o que o sal faz com a lataria dos carros e, como resultado, os carros usados provenientes de New England sofrem uma depreciação de 10 a 15 por cento maior do que os carros do Sul dos Estados Unidos, por exemplo, onde o inverno é bem mais ameno.
Mas como ia dizendo, fora esses dois pequenos problemas, meu Camry veio, no jargão do vendedor de carro brasileiro, completíssimo de fabrica: ar condicionado, direção hidráulica, câmbio automático, air bag e, principalmente, o escambau – sim, porque carro que se preza tem que vir com o escambau já de fábrica.
Seis meses se passaram e eis que, num belo dia, meu Camry se recusou a dar marcha-a-ré. Na base do empurra, consegui levá-lo a um mecânico conhecido meu e, com pesar, recebi o diagnóstico: o carro precisava de uma transmissão nova.
Perguntei, então, “a quanto saía” uma transmissão nova. O mecânico, claro, caiu na gargalhada. Eu, sem entender o motivo de sua risada, repeti a pergunta. Aproximadamente US$2,7 mil, ele falou.
Foi aí então que entendi a razão de seu escracho: com US$2,7 mil dava pra comprar, em 2003, um Toyota Camry 96 (cinco anos mais novo do que o meu). Ou, se você gosta de carro europeu, dava pra comprar uma BMW 530 ano 92, ou um Volvo 850 GLT ano 97.
Nas duas semanas seguintes eu só estacionava meu Camry em lugares que me permitissem sair de frente. Baliza, nem pensar. Mas o terror das ruas sem saída se apossou de mim e decidi que era hora de me desfazer de meu Camry.
Sabia que não poderia vendê-lo, pois ninguém ia querer comprar um carro que não dava marcha-a-ré. Tentei dar – de graça – a alguns conhecidos meus que não tinham carro, mas eles, educadamente, rejeitaram meu “presente de grego”.
A solução, então, drástica mas inevitável, foi levá-lo para um ferro-velho. Tomada a decisão, decidi seguir em frente – mesmo porque para trás era impossível. Chegando ao “junk yard”, como são conhecidos os cemitérios de carros nos Estados Unidos, o dono, um senhor gordo com cara de criminoso de filme de ação, tipo B, olhou-me e falou:
Cash only; we don’t take plastic.” Como assim, “dinheiro em espécie, a gente não aceita cartão” “Twenty-five dollars”, ele complementou, enquanto dava uma cusparada pra fora da janela.
Pois é, senhoras e senhores, ele estava pedindo US$25 para que o ferro-velho “aceitasse” ficar com meu Camry, que, diga-se de passagem, continuava “durinho”, de acordo com os padrões da Feira de São Joaquim.
Eu até que tentei argumentar com ele, dizendo que o carro tinha air bag, direção hidráulica, ar condicionado, mas não adiantou. O meu Camry ia virar metal retorcido e eu tinha mesmo que pagar os US$25 pedidos pelo dono do ferro-velho.
Nem o escambau foi capaz de sensibilizá-lo.
(*) Adonis Mello, torcedor do Bahia já a sete encarnações, é gerente de recursos humanos de uma empresa que fabrica equipamentos cirurgicos na Carolina do Norte, EUA.