Por André Carvalho (*)
btreina@yahoo.com.br
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*artigo publicado no jornal A Tarde/Ba, em 15 de julho.
Arrastão
Quando criança, veraneei em Itapuã, então uma pacata vila de pescadores “tomada” por veranistas e lembro que nos finais de tarde todos acorriam à praia para participar ou apreciar a puxada de rede, um ritual de cânticos e movimentos sincronizados, de beleza ímpar, também conhecido por arrastão. A atividade fechava a pesca, com a rede jogada na areia molhada e os pescadores a recolher, distribuir e vender o produto de sua labuta – xaréu, garoupa, pescado e vermelho.
“Eh! tem jangada no mar/ eh! hoje tem arrastão/ eh! todo mundo pescar/ chega de sombra João”... Sucesso na década de sessenta, a letra de Vinícius de Morais com música do então iniciante Edu Lobo cantava o momento mágico do arrastão. Na voz de Elis Regina, “olha o arrastão entrando no mar sem fim... nunca, jamais se viu tanto peixe assim”, tinha a força da maré enchendo a vida de esperança.
Composta em 1964, a canção traduzia tempos em que se desfrutava um Brasil de magnificências e paz, apesar de toda a crise política, culminada com o golpe militar. Os tempos mudaram e nestes quase cinquenta anos o país perdeu a sincronicidade entre deveres e direitos, esqueceu a diferença entre o que é moral e imoral, baniu a ética do seu dia-a-dia e deixou esgarçar a imputabilidade da lei. Mudamos de ponta a ponta. Pior que isso, mudamos do cabo para o “rabo”.
Com o arrastão não foi diferente. Arrastão agora é sinônimo de assalto coletivo, no qual, uma massa de bandidos associados numa quadrilha, lança uma rede de terror ao abordar diversas vítimas, concomitantemente e de forma covarde tal a diferença de força estabelecida, para roubar e, por vezes, matar, sem perdão. Trabalhar pra que, se roubar é mais rápido, divertido e lucrativo na maioria das vezes?
O arrastão “bandido” deu as caras em praias cariocas, salvo engano numa passagem de ano, depois migrou para as praias do litoral paulista e se estabeleceu nos sofisticados prédios dos bairros nobres paulistanos. Agora, arrasa nos intermináveis engarrafamentos da capital baiana, a qual se deteriora, em marcha acelerada, entregue aos incompetentes governos estadual e municipal, a um ministro poderoso e escorregadio e a bandidos audazes.
Perdemos o rumo, infelizmente. O que de fato aconteceu? Mais próximo no tempo, o inesquecível Gonzaguinha cantou: “e sem o seu trabalho, o homem não tem honra e sem a sua honra se morre se mata”. Talvez esteja ai, de forma genérica, todavia perspicaz, a descoberta da causa maior da onda de violência que nos engole de forma mortal em arrastões desprovidos de beleza, sensibilidade e humanidade.
Perdemos o rumo, não! Tiraram nosso rumo, com certeza! Juntos, em suas respectivas áreas de atuação e de interesse, políticos corruptos, burocratas incompetentes, sindicalistas sectários, manifestantes dos sem qualquer coisa, empresários gananciosos, pais lenientes, professores despreparados, lobistas de vários segmentos e uma legislação que premia o empregado e refuga o emprego e o empreendedorismo jogaram na marginalidade e nos desvãos das classes sociais milhões de jovens, analfabetos funcionais, bandidos potenciais.
Como a esperança é a última que morre, viva Chico Buarque de Holanda: “Não chore ainda não que eu tenho um violão e nós vamos cantar. Felicidade aqui pode passar e ouvir e se ela for de samba há de querer ficar”.
Deus o ouça Chico!
Quando criança, veraneei em Itapuã, então uma pacata vila de pescadores “tomada” por veranistas e lembro que nos finais de tarde todos acorriam à praia para participar ou apreciar a puxada de rede, um ritual de cânticos e movimentos sincronizados, de beleza ímpar, também conhecido por arrastão. A atividade fechava a pesca, com a rede jogada na areia molhada e os pescadores a recolher, distribuir e vender o produto de sua labuta – xaréu, garoupa, pescado e vermelho.
“Eh! tem jangada no mar/ eh! hoje tem arrastão/ eh! todo mundo pescar/ chega de sombra João”... Sucesso na década de sessenta, a letra de Vinícius de Morais com música do então iniciante Edu Lobo cantava o momento mágico do arrastão. Na voz de Elis Regina, “olha o arrastão entrando no mar sem fim... nunca, jamais se viu tanto peixe assim”, tinha a força da maré enchendo a vida de esperança.
Composta em 1964, a canção traduzia tempos em que se desfrutava um Brasil de magnificências e paz, apesar de toda a crise política, culminada com o golpe militar. Os tempos mudaram e nestes quase cinquenta anos o país perdeu a sincronicidade entre deveres e direitos, esqueceu a diferença entre o que é moral e imoral, baniu a ética do seu dia-a-dia e deixou esgarçar a imputabilidade da lei. Mudamos de ponta a ponta. Pior que isso, mudamos do cabo para o “rabo”.
Com o arrastão não foi diferente. Arrastão agora é sinônimo de assalto coletivo, no qual, uma massa de bandidos associados numa quadrilha, lança uma rede de terror ao abordar diversas vítimas, concomitantemente e de forma covarde tal a diferença de força estabelecida, para roubar e, por vezes, matar, sem perdão. Trabalhar pra que, se roubar é mais rápido, divertido e lucrativo na maioria das vezes?
O arrastão “bandido” deu as caras em praias cariocas, salvo engano numa passagem de ano, depois migrou para as praias do litoral paulista e se estabeleceu nos sofisticados prédios dos bairros nobres paulistanos. Agora, arrasa nos intermináveis engarrafamentos da capital baiana, a qual se deteriora, em marcha acelerada, entregue aos incompetentes governos estadual e municipal, a um ministro poderoso e escorregadio e a bandidos audazes.
Perdemos o rumo, infelizmente. O que de fato aconteceu? Mais próximo no tempo, o inesquecível Gonzaguinha cantou: “e sem o seu trabalho, o homem não tem honra e sem a sua honra se morre se mata”. Talvez esteja ai, de forma genérica, todavia perspicaz, a descoberta da causa maior da onda de violência que nos engole de forma mortal em arrastões desprovidos de beleza, sensibilidade e humanidade.
Perdemos o rumo, não! Tiraram nosso rumo, com certeza! Juntos, em suas respectivas áreas de atuação e de interesse, políticos corruptos, burocratas incompetentes, sindicalistas sectários, manifestantes dos sem qualquer coisa, empresários gananciosos, pais lenientes, professores despreparados, lobistas de vários segmentos e uma legislação que premia o empregado e refuga o emprego e o empreendedorismo jogaram na marginalidade e nos desvãos das classes sociais milhões de jovens, analfabetos funcionais, bandidos potenciais.
Como a esperança é a última que morre, viva Chico Buarque de Holanda: “Não chore ainda não que eu tenho um violão e nós vamos cantar. Felicidade aqui pode passar e ouvir e se ela for de samba há de querer ficar”.
Deus o ouça Chico!
(*) André Carvalho não é jornalista, é "apenas" um cidadão que observa as coisas do dia-a-dia. Um free lancer. Ou segundo sua própria definição: um escrevinhador. Seus sempre saborosos textos circulam pela web via e-mails.
