terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Um cameramen em ação.




Por Jânio de Freitas, para a Folha de S. Paulo
A cena completa
Satiagraha, dada como de autoria da Polícia Federal em um restaurante paulistano, ao ser reexaminada na nova investigação do caso, proporcionou uma revelação surpreendente e cômica. Algo como as velhas anedotas de polícia secreta em certo país na beira da Europa.
A tentativa, como descrita no inquérito e no processo da operação, envolve quatro pessoas: os delegados Protógenes Queiroz e, como aparente negociador pela PF, Victor Hugo Ferreira; pelo lado de Daniel Dantas, apontado como ofertante de US$ 1 milhão, Humberto Braz, ex-diretor da Brasil Telecom, e Hugo Chicaroni, ambos presos em razão do episódio.
A revisão do vídeo, porém, mostrou o inesperado e da maneira mais inesperada: em vez de câmera instalada pela PF, houve um cameraman em ação, nem sequer mencionado nos relatórios e autos.
O início verdadeiro do vídeo não é o citado no inquérito, que vem a ser o mesmo exibido, inúmeras vezes, na TV. Como qualquer espectador, os que precisaram examinar o original, em busca de pormenores talvez informativos, esperavam que fosse. O que encontraram foi uma cena também original, mas em outro sentido.
Antes do que viria a ser o flagrante do encontro de intermediários e policiais, o cameraman quis testar seu equipamento. E o fez no toalete do restaurante. Em frente ao espelho. Ótimo, equipamento OK - portanto, com a gravação do próprio cameraman refletido no espelho.
A confissão atestada de um participante deliberadamente omitido. E até agora identificado como da equipe da TV Globo ou prestador de serviço à TV Globo. Faz parte das investigações sobre a Satiagraha a descoberta (seu valor é apenas interno na PF) de quem e como vazou, para a reportagem da TV Globo, a ida de policiais à casa de Celso Pitta para prendê-lo.
Pelo que ficou então, tratou-se do aproveitamento jornalístico de uma informação policial, o que, em condições normais, não implica desvio ético no jornalismo. É claro que constituiu privilégio à Globo, mas quem o concedeu não foi a própria Globo, foi a Polícia Federal.
Incorporar-se a uma ação de polícia, no entanto, seja como repórter, fotógrafo ou o que for, é diferente: é agir como polícia, não pior nem melhor do que o jornalista como função, mas em incompatibilidade com o jornalismo.