terça-feira, 25 de novembro de 2008

Michele Obama

Texto e caricatura transcritos do sempre ótimo Obvious

[Em agosto, a Radar Magazine estampou a nova primeira americana na capa com a manchete: “O que há de tão assustador em Michelle Obama?”.
No início daquele mês, pairava sobre a esposa do candidato democrata impressões nada boas; dizia-se que ela era sarcástica e que, nas poucas vezes em que se propunha a falar, fazia esforço para mostrar Obama como um mero mortal, como se ele fosse visto como um deus. Aliás, ela também não escondia que achava o jogo político irracional nem que percebia a candidatura do marido como um feito prosaico: o que ele está fazendo aqui?.
Os desagravos vinham tanto dos republicanos, quanto de indecisos, ou democratas pró Hilary Clinton e rapidamente chegariam aos debates dos analistas políticos, à raivosa FoxNews e, finalmente, ao programa da Oprah. Ela era uma peça fora do lugar, pior, uma peça que não sabia reconhecer o seu lugar.
Pela lógica Washington da imprensa, toda figura que se dá pouco acesso merece ser punida e durante todas as primárias Michelle Obama tornou brutalmente público que preferia manter-se brutalmente privada – dava poucas entrevistas, não seguia o marido em viagens mais de três vezes por semana e tinha ares de indiferença para tudo. Seu comportamento a fazia parecer, ao mesmo tempo, uma estrela de cinema chata e uma dona de casa sortuda com envolvimento político quase baixo.
Essa mesma mulher chegaria a Convenção do Partido Democrata já como ícone pop. Os aplausos para Michelle e a comoção do público contribuíram para tornar aquela noite antológica porque consagrava o candidato Obama como uma espécie de herói messiânico e sua esposa como apoio indispensável do mesmo.
Seu discurso, e aquela era a postura que, a partir dali, não pararia mais de destacar, se colocou todo o tempo dentro da moldura da família e do trabalho – a maternidade, a esposa apaixonada, a filha e irmã dedicada, os percalços familiares que tentavam desestruturar os que a chamavam elitista... estavam tudo lá. Ao final, estavam todos rendidos.
Até o presente momento, as mulheres negras se destacaram em poucos momentos na política americana, e quando isso aconteceu, foram mais como objeto de escárnio que de alegria.
Sally Hemings, em 1802, ficou escandalosamente conhecida como a concubina de Thomas Jefferson e Condoleezza Rice de quem, se costuma dizer, nem chega a ser uma mulher, contribuíram para certa demonização de suas parceiras – salvo o caso da brava educadora Shirley Chisholm que concorrera a uma vaga na Casa Branca no ano de 1972.
Mas Michelle Obama, embora fazendo política, não mantém necessariamente projetos políticos (como Hilary Clinton). Dá sua visão global sobre as questões norte americanas, mas não suas posições sobre elas, ainda que saibamos que ela tem fortes opiniões, e que não as conhecemos bem.
Possivelmente esse é o ponto chave sobre a primeira dama; de modo menos obvio que Obama, ela é sedutoramente intrigante. É isso o que há de tão assustador em Michelle.
Enquanto ela permanece enigmática, a imprensa se arrebenta mutuamente em busca de lascas sobre sua dieta, dicas de beleza, saúde, experiência materna, o tamanho do seu traseiro, quando a chuva irá estragar seu penteado...
Principalmente a coisa do figurino – já foi decretado que o roxo é a cor do final de ano e também observado que a eloqüência, inteligência e charme da nova primeira dama lembram o de Jackie Onassis; Michelle Obama, nascida Michelle LaVaughn Robinson, já é conhecida como Michelle Obama.
Novamente, tudo começa a parecer um seriado de TV, mas os rumos da maior potência econômica e, por conseqüência os nossos, estarão de modo bem real, nos próximos anos, sob a orquestra dessa família em quem os americanos depositaram suas desilusões, esperanças e interesses. Estamos ainda no início das apresentações."]