A nossa parte da crise
Conforme as diferentes tendências ideológicas, os meios de comunicação decretam o fim do capitalismo, o fim do neoliberalismo, o fim do liberalismo, o fim do mercado, a instauração do socialismo linha Bush nos Estados Unidos, a estatização geral, uma crise episódica, uma crise da qual o capitalismo sairá mais forte, livre do parasitismo dos especuladores. Ninguém ainda parece ter falado em Kondratieff, o russo que teorizou sobre crises cíclicas, em períodos determinados. Mas, não demora muito, vão falar. Ninguém falou, entretanto, sobre o papel desempenhado pelos jornalistas na parte brasileira da crise. Como na alta da Bolsa, na época da ditadura, os meios de comunicação insuflaram o ânimo do leitor-futuro-investidor. Reportagens sobre ágeis manobras de grandes investidores brasileiros, que se transformaram rapidamente em bilionários; ou matérias do tipo “Ganhei um milhão na Bolsa”. Ou ainda a hagiografia de um misterioso coreano, que trabalha principalmente com os conterrâneos imigrantes, e cujos infalíveis fundos de investimentos batiam todos os recordes de lucratividade (um destes fundos, a propósito, está sendo dissolvido, depois de derreter-se). Pelo volume dos lucros, só podia ser especulação das bravas – mas isso não consta da reportagem. Pelo menos um colunista se gabava, quase todos os dias, dos altíssimos lucros que auferia na Bolsa, e ridicularizava as quedas de preços, afirmando que os bens de raiz que dizia ter comprado com os rendimentos em ações continuavam de pé. Agora é fácil culpar os investidores, porque não foram cautelosos o suficiente. Agora é fácil lembrar a máxima suprema do mercado de ações, comprar na baixa e vender na alta. Mas como orientar o investidor, se os meios de comunicação só entram na cobertura quando o mercado se aquece violentamente ou quando entra em pânico?
