Esperança é pouco
Depois do festival de ufanismo de nossa imprensa com as escassas medalhas que ganhamos na China, surgem agora o júbilo e o orgulho, travestidos também de um certo ufanismo, com os resultados de pesquisa mundial que aponta os jovens brasileiros como os de melhores perspectivas de felicidade futura, em todo o mundo, para os próximos cinco anos.
Depois do festival de ufanismo de nossa imprensa com as escassas medalhas que ganhamos na China, surgem agora o júbilo e o orgulho, travestidos também de um certo ufanismo, com os resultados de pesquisa mundial que aponta os jovens brasileiros como os de melhores perspectivas de felicidade futura, em todo o mundo, para os próximos cinco anos.
Felicidade, o vocábulo foi este. Como somos mesmo provincianos e individualmente subdesenvolvidos, e exultamos quando falam, bem ou mal, do Brazil, engolimos mais essa.
Felicidade para o futuro se traduz apenas como esperança hoje, o que significa ansiar por um futuro que anule e substitua um presente adverso. Em outras palavras, o jovem comum brasileiro - a maioria - vive um presente que rejeita e, igualmente ao jogador contumaz que projeta sua felicidade na certeza de que um dia ganhará na loteria, transforma sua esperança no combustível que alimenta as perspectivas de uma felicidade provável no futuro.
Deduzo, numa visão sócio-política, que é justamente a esperança de que o presente se evapore e que a realidade do país mude repentinamente - porque cinco anos é curtíssimo prazo para mudanças em velhos processos - que faz otimistas nossos jovens.
Isso é bom ou ruim? Péssimo! Se você precisa de esperança para projetar sua felicidade sobre o futuro é porque não vive nem desfruta do essencial, que é o presente, única realidade inalterável ao alcance de qualquer mortal. E o presente não lhes permite o desfrute, apenas o sonho.
Claro, a esperança é (ainda) necessária para confortar, mesmo na ilusão, a mente buscadora, mas se de um lado revigora sonhos, de outro desaba lonas circenses e aparatos arquitetônicos.
A esperança "doméstica" é até necessária. Como João não teria esperança de casar-se com a Maria de seus sonhos, ou de passar no próximo vestibular, por exemplo? Mesmo sujeito ao "meu mundo caiu" ou a "aquela esperança de tudo se ajeitar, pode esquecer". Mas se o jovem brasileiro - o comum, a maioria, repito - vivesse sua plena cidadania, assistido por todos os direitos que lhe pertencem mas que lhe são vilipendiados pelo Estado, não precisaria de esperanças, porque seu futuro de fé brotaria normalmente à proporção que fosse cumprindo os deveres inerentes à sua condição de jovem, "futuro do país".
Esperança em quê? Em não ver mais um bando de canalhas corruptos fazer de seu país o paraíso da gatunagem impune? Em poder circular livremente pelas ruas de seu bairro e não ser vítima de assalto, sequestro, estupro, ou não morrer "de graça" nas garras da violência já institucionalizada? Em não ver um hospital ou uma escola em sua cidade, porque os recursos a eles destinados foram sugados pelo vagabundo a quem chamam de gestor ou homem público? Em não morrer na rua por falta de atendimento médico?
Está hoje (8 de setembro) na imprensa: foram desviados quase R$16 bilhões, em todo o país, que o governo federal destinou para a construção de estradas, obras de saneamento e, a maior parte, cerca de R$8 bilhões, para as áreas de saúde e educação.
Na Bahia, foram desviados R$238 milhões, também do governo federal, para obras principalmente nas áreas de saúde e educação. São números da CGU, insofismáveis. Esperança só é muito pouco.