quarta-feira, 25 de abril de 2012

Habemus Lex, por André Carvalho

Baú do Pilórdia - Esse foi o artigo com que o André Carvalho nos honrou nos primórdios desse blog, em 19/07/2008. E o tema não podia ser mais atual, a tutela do Estado - coisas desse país chamado Brasil onde evita-se permitir que o cidadão assuma a responsabilidade por seus atos.

Essa fotinha inversamente proporcional ao tamanho dele, um ex-jogador da seleção juvenil de basquete de Brasília, não estava presente em sua estréia como também as palavras de apresentação (!!) no final desse texto mas que resolvi adicionar, por merecimento.

(Re-)Leiam e reflitam.


Por André Carvalho, escrito em 09 de julho de 2008
btreina@yahoo.com.br



Habemus Lex
É sabido que no mês passado o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Lei 11.705 que dispõe sobre o consumo de álcool por condutores de veículos automotores. A lei impõe pesadas multas e penas administrativas para aqueles flagrados com mais de dois decigramas de álcool por litro de sangue, chegando a prever, em determinadas circunstâncias, a prisão do infrator. Dois decigramas correspondem, num cidadão de porte médio, a meio copo de cerveja ou a cinco bombons recheados com conhaque, por exemplo.

Para Lula, useiro e vezeiro dos destilados, a lei é inócua, pois o presidente terá, enquanto a morte não lhe advier, motoristas e carros oficiais. É a lei, que se há de fazer?

No segundo final de semana de vigência da lei a Polícia Rodoviária Federal fez algumas autuações e prendeu 38 pessoas. Estas trinta e oito “almas” foram brindadas, num universo de milhões de outros motoristas alcoolizados, que a polícia não educou, não fiscalizou, não reprimiu, não identificou, não multou e nem prendeu.

A lei é de um fundamentalismo atroz e está calcada em dados estatísticos levantados, e porque não dizer, manipulados, por técnicos dos órgãos ditos competentes. Argumentam os entendidos, que mais de sessenta por cento dos acidentes com mortes, são provocados por pessoas alcoolizadas. Os técnicos só não dizem, em sua argumentação barata, qual o nível de álcool encontrado em cada um destes irresponsáveis. Dois decigramas? Duvido! Também não divulgam, esses senhores técnicos, quais outros fatores somaram-se à embriaguez, potencializando o evento para o trágico desfecho. Fatores tais como má conservação, sinalização e iluminação das vias ou erros de engenharia em seu traçado, são deixados de lado como se fôssemos, todos nós, ignorantes absolutos. Veículos sem condições de uso, por conta da falta de inspeção veicular, prevista há mais de dez anos e nunca posta em prática por incompetência dos governos, sequer são mencionados nas reportagens televisivas, muito menos nas estatísticas oficiais destes mesmos acidentes. Condutores inábeis, porém habilitados de forma irresponsável, pelo mesmo Estado que agora os pune, inserem-se no contexto, sem que saibamos. Portadores de desvios comportamentais, que os procedimentos de análise para concessão e renovação das carteiras de motoristas jamais identificam, habitam o universo dos condutores efetivamente embriagados. Disso não se fala...

Mais uma vez, neste país, se generaliza o específico, de forma a parecer que a questão foi resolvida. Não é possível que as autoridades acreditem que, com a vigência da lei, o brasileiro comum deixará de tomar sua cervejinha quando estiver ao volante. Não é possível que os engravatados do planalto não percebam que com multas de valores estratosféricos abre-se uma brecha maior para o suborno, na ponta, na blitz. É inadmissível que valentes burocratas não entendam que a lei é lotérica, posto que a fiscalização se dará, por falta de estrutura e até mesmo de interesse do Estado, em amostragens abaixo do razoável, punindo alguns gatos pingados enquanto a maioria de motoristas, embriagados ou não, continuarão impunes, barbarizando no caótico trânsito das ruas brasileiras e rindo das nossas caras.

Dizer que em paises desenvolvidos a lei existe e funciona é comparar coisas heterogêneas. Isso porque não somos um país desenvolvido. Senão, caberia reivindicar às autoridades de trânsito a liberação da velocidade máxima, como ocorre em muitas estradas da Europa, a obrigatoriedade de equipamentos de segurança ativa nos veículos que fabricamos e um transporte coletivo digno e seguro.

Claro que não é possível! Entretanto, temos lei.

(*) André Carvalho não é jornalista, é "apenas" um cidadão que observa as coisas do dia-a-dia. Um free lancer. Ou segundo sua própria definição: um escrevinhador. Seus sempre saborosos textos circulam pela web via e-mails.