segunda-feira, 24 de março de 2008

Congresso faz platéia de boba no debate sobre MP


Texto de Josias de Souza em seu Blog

Imagem de Sérgio Lima/Folha




A oposição e até uma parte do consórcio governista sustenta a tese de que Lula “hugochavizou” o Legislativo. E o fez de um modo que causa inveja ao colega venezuelano e aos militares de outrora. Não fechou o Congresso, o que pegaria muito mal. Economizou a gasolina dos tanques. Deixou abertas as portas do prédio de Niemeyer. Desmoraliza o edifício com uma ditadura companheira. Sufoca-o governando por meio de medidas provisórias.

Quem quiser acreditar no lero-lero que toma conta dos corredores do Congresso tem todo o direito. Mas deve saber que está fazendo papel de bobo. O nome do problema não é Lula nem medida provisória. Na Câmara, a encrenca se chama deputado. No Senado, leva o apelido de senador. Sim, o problema dos congressistas são eles mesmos.

A medida provisória, além de necessária é democrática. Foi criada pelo próprio Congresso, na Constituinte de 88. Substituiu o decreto lei da ditadura. Serve para acudir o presidente em situações emergenciais. Mencione-se, por eloqüente, um exemplo: foi a bordo de medidas provisórias que FHC fez decolar o Plano Real.

Urdida em segredo, para deter a superinflação, a nova moeda tinha de irrigar a rede bancária antes de ser votada pelo Congresso. Nada mais “urgente” e “relevante”, como pede a Constituição. O problema está na falta de premência e na irrelevância com que o instituto passou a ser utilizado. Um pecado que não é original. Além de Lula, cometeram-no todos os seus predecessores.

Diz-se no Congresso que é preciso modificar o rito de tramitação das medidas provisórias. O argumento é falso como nota de três reais. A sistemática atual é boa, muito boa, ótima. O que não presta é a subserviência do Congresso, auto-acocorado.

Quem edita as medidas provisórias é o presidente. Mas quem decide se elas devem ou não prevalecer são os deputados e os senadores. A primeira escala da tramitação de uma MP são as comissões de Justiça da Câmara e do Senado, cujos integrantes decidem –ou deveriam decidir— se a medida é ou não urgente e relevante. Não há notícia de medida provisória abusiva que tenha sido detida no nascedouro.

As MPs vão ao plenário legitimadas pelos mesmos parlamentares que as criticam. Num segundo momento, deveriam ser debatidas em comissões especiais. Mas tais comissões jamais se reúnem. Nomeia-se um relator amistoso. Ele redige o seu parecer sobre os joelhos. E o lê no dia da votação. Os colegas votam, por vezes, sem saber o que estão aprovando.

O primeiro Parlamento brasileiro, a Assembléia Constituinte convocada por dom Pedro 1º à época da Independência, durou escassos seis meses. O imperador fechou-o em novembro de 1823. Alegou que os parlamentares negligenciaram o juramento solene de "salvar o Brasil".
O Congresso seria fechado outras seis vezes: em novembro de 1891, sob Deodoro; em novembro de 1930, sob Getúlio; em novembro de 1937, de novo sob Getúlio; em outubro de 1966, sob Castelo; em dezembro de 1968, sob Costa e Silva; e em abril de 1977, sob Geisel.
Inaugurada em 1985, pelo atalho do Colégio Eleitoral, a redemocratização injetou na cena política brasileira uma novidade supostamente alvissareira. O Congresso emergiria do jejum imposto pela ditadura para um banquete de poderes inaudito. Grossa ilusão.
O Congresso de hoje quando não se vende se rende. Na maior parte das vezes, se rende depois de se vender. Ungidos pelo voto, deputados e senadores chegam a Brasília como protagonistas natos. Cada um se considera digno de uma estátua. Depois, tornam-se pardais de si mesmos. Sujam, com desenvoltura dialética, a testa que gostariam de ver eternizada num bronze da Praça dos Três Poderes.

A gritaria dos congressistas contra as medidas provisórias está impregnada de oportunismo. Esconde uma enorme desfaçatez e uma inacreditável inapetência para exercício do poder delegado pelo povo. O Brasil oferece ao mundo mais uma de suas jabuticabas: a ditadura consentida.