sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

No reino da desconfiança.

Texto da cientista política Lúcia Hippolito - transcrito de seu blog

O ministro de Minas e Energia afirma que não há risco de apagão de energia elétrica. Mas o diretor-geral da Aneel afirma que é melhor o país preparar um Plano B, porque o nível dos reservatórios brasileiros é o mais baixo dos últimos 76 anos. E a sociedade civil? Está convencida de que o racionamento vem aí.
O ministro da Saúde afirma que não há risco de uma epidemia de febre amarela urbana. Diz que os casos são de febre amarela silvestre. A ministra do Turismo afirma que todas as pessoas devem se vacinar. A família de uma das vítimas afirma que ela se contaminou em Brasília, antes de viajar para o interior de Goiás. E a sociedade civil? Faz fila nos postos de saúde para se vacinar.
Resultado: está faltando vacina em Brasília, no Rio de Janeiro, e em outras localidades. As duas principais notícias de hoje demonstram, mais uma vez, o pesado manto da desconfiança que cobre as relações entre o Estado brasileiro e os cidadãos.
Não se trata de situação nova, o governo Lula não inaugurou nada – apenas aprofundou a desconfiança entre Estado e sociedade civil. Para o Estado brasileiro, o cidadão é sempre culpado, sempre um sonegador em potencial. Precisa ser permanentemente tutelado, vigiado, esmagado por regras, proibições, documentos em três vias com firma reconhecida em cartório, comprovante de residência.
A palavra do cidadão não basta, nunca bastou, porque o Estado desconfia dele. Para o cidadão, por sua vez, o Estado não merece confiança, porque não cumpre o que promete. O cidadão desconfia do Estado, e com muita razão.
Disseram que o Plano Cruzado era a redenção do país. O povo acreditou, despejou votos no PMDB – e o governo Sarney só esperou os resultados da eleição de 1986 para lançar o Cruzado II, com aumento de preços e aumento da inflação.
Disseram que a poupança dos brasileiros não seria confiscada – e foi a primeira medida adotada por Collor, Zélia & Cia, assim que assumiram a presidência da República.
Disseram que a CPMF seria provisória – e o governo Fernando Henrique a transformou em permanente, atitude imitada pelo governo Lula, até que o Senado acabou com a farra em dezembro de 2007.
Disseram que foram eleitos para mudar a política econômica e as práticas políticas – e o governo Lula foi ainda mais conservador que o governo FH na economia e infinitamente mais elástico nas questões éticas. Na política, atirou-se no colo dos coronéis.
Disseram que não haveria pacote e que ninguém faria a loucura de aumentar impostos para compensar a perda de arrecadação com a derrubada da CPMF – e no primeiro dia útil do ano, o governo baixou um pacote de aumento de impostos.
Agora, o governo Lula está colhendo uma safra amarga: afirma que não haverá apagão e que não haverá epidemia de febre amarela. (Mas, pelo sim pelo não, manda vacinar os funcionários do Ministério da Saúde e do Palácio do Planalto.)
Resultado: a população corre para os postos de saúde. E já está faltando vacina.