quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Entre o sertão e a garoa, Tom Zé.

Por Janio Ferreira Soares, para o terra magazine


Janio Ferreira Soares é consultor da Secretaria da Cultura de Glória (BA), nas margens do Rio São Francisco. E-mail: janios.ferreira@terra.com.br.



Caetano que me perdoe, mas, na minha opinião, a mais completa tradução de São Paulo não é Rita Lee. Tudo bem que quando ele chegou por lá, ainda sem muito entender da deselegância discreta de suas meninas, deve ter se encantado com aquela franjinha sobre a testa, o corpo mirrado e o fato de ela ser, sob todos os aspectos, completamente desbundada.


Mas, para mim, a pessoa que sintetiza uma boa parte da cidade - já que é impossível decifrá-la inteira -, é a figura de um velho-novo e genial baiano natural de Irará, que traz no seu primeiro nome a grafia do nosso maestro soberano (Tom) e no sobrenome, o som que mais se ouve entre os concretos, andaimes e garagens da louca paulicéia (Zé). Ele, como tantos forasteiros que pra lá arribaram, virou o sinônimo perfeito dessa fascinante e cruel cidade, que morde e assopra com uma espantosa naturalidade.


Sempre que eu posso, vou vê-la. Primeiro, porque ela ainda me provoca. Segundo, pela sensação de estar num lugar onde as coisas acontecem primeiro. E toda vez que a encaro, a indiferença jaz. Ou eu abro a boca (de espanto), ou eu fecho os olhos (de vergonha).


Lembro que quando eu a vi pela primeira vez através da janela do velho e saudoso Electra, minhas mãos começaram a suar frio e meu coração, que batia Caymmi, começou a batucar Adoniran. Já os meus olhos, até então acostumados com o azul do céu do sertão do Raso da Catarina, estranharam e orvalharam quando olharam para o seu. Emoção ou Cubatão, não importa. Só sei que até hoje eles vibram quando eu estou chegando e o tempo, de bom humor, abre algumas frestas pra ela se mostrar pra mim.
Adoro o seu cheiro de nada misturado com tudo. Seus trovões da tarde, suas criaturas da noite. Seus woods e stocks, baianos ou não. Seus arnaldos e antunes, jucas e fagundes. Poder dormir Antônio e acordar Ermírio. Desfilar na Daslu ou bater perna na Zé Paulino. Onde no mesmo lugar Japão e Bahia, Fasano e esfiha, Faixa de Gaza e chope com pizza?
Quase todo fim de tarde fico aqui no meu canto assistindo seus absurdos engarrafamentos que, vistos do alto, lembram enormes colares de pérolas piscando lentamente em direção a lateral da TV. O que parece, assim meio de longe, é que por lá quando se chega já é hora de voltar e quando se volta não dá tempo de chegar.
Se cuide, minha velha, e vê se relaxa um pouco. Afinal, dentro de seus descoloridos prédios, embaixo dos viadutos, correndo pelas suas calçadas ou simplesmente te cantando, existe um povo que, apesar de parecer definitivamente contaminado pela sua loucura, ainda tem correndo nas veias a tranqüilidade de um lugar que chamamos Bahia.